BATUQUE NA ALFABETIZAÇÃO
A bagunça dos primeiros ensaios virou música com ritmo e melodia
Só é possível aprender música com instrumentos musicais tradicionais? Apesar de o contato com eles ser importante, dedilhar sobre uma mesa, batucar no fundo de uma lata e bater palmas são exemplos de que dá para fazer som de diversos modos. Ações como essas surgem das próprias brincadeiras das crianças e podem ser exploradas nas aulas para desenvolver aprendizados sobre conceitos musicais como timbre, improviso, ritmo e composição. Roseli Novak, que leciona a disciplina no Colégio Renascença, em São Paulo, propôs aos seus alunos brincar com materiais diferentes e criar música com eles.
Para dar início ao trabalho, a professora levou caixas de papelão de tamanhos variados para a sala e deixou que os alunos as manuseassem livremente. No começo, eles ficaram desconfiados, mas pouco a pouco foram entrando nelas e fazendo -as de barcos e carrinhos. Nas aulas que se seguiram, Roseli disponibilizou também canos plásticos e de papelão, baldes e galões de água. "A intenção era dar espaço para que as crianças se relacionassem com os objetos e, depois, partir para a atividade musical, com propostas que foram afunilando para o fazer artístico", conta.
Após a exploração dos materiais, a docente propôs que a turma fizesse música com eles. O foco não era construir instrumentos, mas produzir som com o que havia. Uns bateram com a caixa no chão, outros batucaram sobre ela de modos variados. Um a um, os alunos criaram pequenas sequências sonoras, chamadas de células musicais ou rítmicas. Ao ouvir as células dos colegas, eles as repetiram com os próprios objetos.
Depois, a educadora solicitou que a classe fizesse uma improvisação coletiva. Os estudantes começaram a tocar de forma livre. E que bagunça! Naquele momento, tudo parecia um grande barulho. Não dava para identificar nenhum dos sons isoladamente. Roseli sugeriu que, ouvindo uns aos outros, eles encontrassem um ritmo em comum. "No improviso, não vale qualquer coisa. Essas explorações são essenciais para pensar em padrões e organizar os sons. O professor deve estabelecer as condições para que as crianças criem, delimitando o tempo e os objetos, sugerindo referências sonoras e indicando que a criação tenha começo, meio e fim", diz Tiago Madalozzo, docente da Licenciatura em Música da Universidade Estadual do Paraná (Unespar).
Aos poucos, a turma foi vendo as especificidades da música, como o fato de diferentes tamanhos e tipos de materiais produzirem timbres distintos e a necessidade de ajustar o som colocando mais ou menos força, para que houvesse harmonia ao tocarem juntos.
As crianças assistiram a apresentações do grupo de percussão Stomp, que usa materiais sem modificá-los. Com isso, conheceram profissionais que faziam movimentos semelhantes aos delas, viram referências de práticas e expandiram a possibilidade de usos dos objetos nas performances. "Foi uma prática interessante, pois contribuiu para a ampliação do repertório da garotada", diz Madalozzo.
Após experimentarem todos os objetos, cada aluno escolheu um para ser seu instrumento e todos partiram para a composição: um dava uma ideia de célula rítmica, os outros a aceitavam ou sugeriam modificações, até concordarem e definirem o modo com que tocariam. Unindo as células em uma sequência, criaram uma música.
A educadora gravou tudo para que pudessem analisar o trabalho feito, retomá-lo e aperfeiçoá-lo, o que foi realizado nas aulas seguintes. Para reforçar a compreensão do ritmo sequenciado, Roseli pediu que criassem uma frase que se encaixasse nele. Dessa forma, passaram a recitá-la enquanto faziam a sequência de sons criados. Nesse momento, a professora identificou que algumas crianças já pronunciavam certas palavras melodicamente (dando entonações mais musicadas a elas). "Fizemos, então, uma parceria musical - elas criaram o ritmo e a letra, e eu usei esse início de melodia para desenvolver o restante. Enquanto tocavam e cantavam, eu as acompanhava ao teclado", conta.
Pronto: estava montada a banda do balde, da caixa e do cano. Orgulhosos por fazer música com diferentes materiais, os alunos terminaram batucando pela escola, em apresentações de percussão para as outras turmas.
Explorando os batuques que vêm do corpo
"Os sons que os alunos conheciam eram relacionados à religião. Eles diziam que eram de rituais de macumba. Fui desmistificando a ideia e mostrando que ela demonstrava um modo pejorativo de pensar sobre a cultura afro-brasileira", conta. Para exemplificar a diversidade e a riqueza desse tipo de música, ela colocou para os alunos ouvirem canções de Pixinguinha (1897-1973) e de outros artistas contemporâneos que possuem influências africanas, como Martinho da Vila, Gilberto Gil, Leci Brandão e Maria Bethânia.
Na aula seguinte, a professora apresentou no datashow imagens de alguns instrumentos de origem africana, como agogô, atabaque, berimbau, reco-reco, xequeré, caxixi e ganzá. Ela explicou as características de cada um. O caxixi, por exemplo, significa "palma da mão" no idioma quimbundo e é formado por uma cesta de vime cheia de pedrinhas. E, para mostrar os sons, colocou o CD Gonguê. Em seguida, usando o mesmo disco, ela mostrou ritmos que utilizam esses instrumentos, como o maracatu, o afoxé e o samba de roda (veja na página seguinte os instrumentos correspondentes a cada ritmo). Durante a audição, ela propôs uma investigação: os alunos se dividiram em grupos e tiveram de descobrir qual instrumento era utilizado em cada ritmo, conforme a ordem em que surgiam. Depois de algumas tentativas, quando ela perguntava quando o atabaque era usado, eles já sabiam que era durante a execução do samba de roda, por exemplo.
Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/batuque-veio-balde-arte-musica-percussao-sons-855460.shtml; http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/explore-batuques-afro-brasileiros-todos-tipos-percussao-757093.shtml; http://atividadesdealfabetizacaodatialiu.blogspot.com.br/2015/03/dancas-folocloricas-carimbo-ciranda.html. Acesso em: 20/06/2015.
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