terça-feira, 23 de junho de 2015

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA


A intolerância religiosa é um conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a crenças e práticas religiosas ou a quem não segue uma religião. É um crime de ódio que fere a liberdade e a dignidade humana.
O agressor costuma usar palavras agressivas ao se referir ao grupo religioso atacado e aos elementos, deuses e hábitos da religião. Há casos em que o agressor desmoraliza símbolos religiosos, destruindo imagens, roupas e objetos ritualísticos. Em situações extremas, a intolerância religiosa pode incluir violência física e se tornar uma perseguição.
Crítica não é o mesmo que intolerância. O direito de criticar encaminhamentos e dogmas de uma religião, desde que isso seja feito sem desrespeito ou ódio, é assegurado pelas liberdades de opinião e expressão. Mas, no acesso ao trabalho, à escola, à moradia, a órgãos públicos ou privados, não se admite tratamento diferente em função da crença ou religião. Isso também se aplica a transporte público, estabelecimentos comerciais e lugares públicos, como bancos, hospitais e restaurantes.
Presidente da CDH, Ana Rita faz duras críticas ao deputado Marco Feliciano
Ainda assim, o problema é frequente no país. Algumas denúncias se referem à destruição de imagens de orixás do candomblé ou de santos católicos. Ficou famoso no Brasil o pastor da Igreja Universal do Reino de Deus Sérgio Von Helder, que, em 1995, chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida em rede nacional de TV. Há também casos de testemunhas de Jeová que são processadas por não aceitarem que parentes recebam doações de sangue, de adventistas do Sétimo Dia a quem não são dadas alternativas quando não trabalham ou não fazem prova escolar no sábado, e de medidas judiciais que impedem sacrifício de animais em ritos religiosos, entre outros.
Em janeiro, a TV Bandeirantes foi condenada pela Justiça Federal de São Paulo por desrespeito à liberdade de crenças porque, em julho de 2010, exibiu comentários do apresentador José Luiz Datena relacionando um crime bárbaro à “ausência de Deus”. “Um sujeito que é ateu não tem limites. É por isso que a gente vê esses crimes aí”, afirmou o apresentador. A emissora foi condenada a exibir em rede nacional, no mesmo programa, esclarecimentos sobre diversidade religiosa e liberdade de crença.
Recentemente têm provocado reações algumas ­declarações do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Marco Feliciano (PSC-SP). Pastor evangélico, ele escreveu no Twitter que africanos são descendentes de um “ancestral amaldiçoado por Noé” e que sobre a África repousam maldições como paganismo, misérias, doenças e fome. A presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, senadora Ana Rita (PT-ES), se manifestou a respeito.
— São declarações e atitudes que instigam o preconceito, o racismo, a homofobia e a intolerância. Todas absolutamente incompatíveis e inadequadas para a finalidade do Legislativo — disse.
Denúncias cresceram mais de 600% em um ano; crenças de matriz africana são as que mais sofrem ataques
A quantidade de denúncias de intolerância religiosa recebidas pelo Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República cresceu mais de sete vezes em 2012 em relação a 2011, um aumento de 626%. A própria secretaria destaca, no entanto, que o salto de 15 para 109 casos registrados no período não representa a real dimensão do problema, porque o serviço telefônico gratuito da secretaria não possui um módulo específico para receber esse tipo de queixa. Ou seja, muitos casos não chegam ao conhecimento do poder público. A maior parte das denúncias é apresentada às polícias ou órgãos estaduais de proteção dos direitos humanos e não há nenhuma instituição responsável por contabilizar os dados nacionais.
A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir) também não possui dados específicos sobre violações ao direito de livre crença religiosa. No entanto, o ouvidor do órgão, Carlos Alberto Silva Junior, diz que o número de denúncias de atos violentos contra povos tradicionais (comunidades ciganas, quilombolas, indígenas e os professantes das religiões e cultos de matriz africana) relatadas à Seppir também cresceu entre 2011 e 2012.
Caminhada no Dia Contra Intolerância Religiosa, em Fortaleza. Data foi criada em 2007, após morte de líder do candomblé difamada por jornal evangélico
Muitas agressões são cometidas pela internet. Segundo a associação ­SaferNet, em 2012, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos ­recebeu 494 ­denúncias de intolerância religiosa praticadas em perfis do Facebook. O mundo virtual reflete a situação do mundo real. De 2006 a 2012, foram 247.554 denúncias ­anônimas de páginas e perfis em redes sociais que continham teor de intolerância religiosa.
Ministra da Seppir, Luiza Bairros ressalta a gravidade das agressões
A tendência é de queda: de 2.430 páginas em 2006 para 1.453 em 2012. Mas a tendência não significa que o número de casos reportados de intolerância religiosa tenha diminuído. “Uma das razões é a classificação feita pelo usuário. Mesmo páginas reportadas por possuir conteúdo racista, antissemita ou homofóbico têm, também, conteúdo referente à intolerância religiosa”, explica Thiago Tavares, coordenador da central.
Os dados foram ­divulgados pela Agência Brasil este ano no Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, 21 de janeiro. A data foi instituída em 2007 pela Lei 11.635, em homenagem a Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, do terreiro Axé ­Abassá de Ogum, de Salvador. A religiosa do candomblé sofreu um enfarte após ver sua foto no jornal ­evangélico Folha Universal, com a manchete “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. A Igreja Universal do Reino de Deus foi condenada a indenizar os herdeiros da sacerdotisa.
A ministra da Seppir, Luiza Bairros, disse, nas comemorações de 21 de janeiro, que os ataques a religiões de matriz africana chegaram a um nível insuportável. “O pior não é apenas o grande número, mas a gravidade dos casos. São agressões físicas, ameaças de depredação de casas e comunidades. Não se trata apenas de uma ­disputa religiosa, mas também de uma disputa por valores civilizatórios”, disse.
Na ocasião, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República lançou um comitê de combate à intolerância religiosa. A ­iniciativa pretende promover o direito ao livre exercício das práticas religiosas e auxiliar na elaboração de políticas de afirmação da liberdade religiosa, do respeito à diversidade de culto e da opção de não ter religião.
O comitê terá 20 integrantes, sendo 15 deles representantes da sociedade civil com atuação na promoção da diversidade religiosa. Ainda sem data definida para começar efetivamente a funcionar, o comitê depende de um edital que selecionará os integrantes.
Perseguição policial até os anos 1960
O Brasil é um país laico. Isso significa que não há uma religião oficial e que o Estado deve manter-se imparcial no tocante às religiões. Porém, sendo um país de maioria cristã, práticas religiosas africanas foram duramente perseguidas pelas delegacias de costumes até a década de 1960.
Como agir
No caso de discriminação religiosa, a vítima deve 
ligar para a Central de Denúncias (Disque 100) da 
Secretaria de Direitos Humanos.
Também deve procurar uma delegacia de polícia 
e registrar a ocorrência. O delegado tem o dever de 
instaurar inquérito, colher provas e enviar o relatório 
para o Judiciário. A partir daí terá início o processo penal.
Em caso de agressão física, a vítima não deve 
limpar ferimentos nem trocar de roupas — já que 
esses fatores constituem provas da agressão — 
e precisa exigir a realização de exame de corpo de delito.
Se a ofensa ocorrer em templos, terreiros, na 
casa da vítima
, o local deve ser deixado da maneira 
como ficou para facilitar e legitimar a investigação das
autoridades competentes.
Todos os tipos de delegacia têm o dever de averiguar 
casos dessa natureza, mas em alguns estados há
também delegacias especializadas. Em São Paulo, 
por exemplo, existe a Delegacia de Crimes Raciais e 
Delitos de Intolerância (veja o Saiba Mais).
No período colonial, as leis puniam com penas corporais as pessoas que discordassem da religião imposta pelos escravizadores. Decreto de 1832 obrigava os escravos a se converterem à religião oficial. Um indivíduo acusado de feitiçaria era castigado com pena de morte. Com a proclamação da República, foi abolida a regra da religião oficial, mas o primeiro Código Penal republicano tratava como crimes o espiritismo e o curandeirismo.
A lei penal atual, aprovada em 1940, manteve os crimes de charlatanismo e curandeirismo.
Até 1976, havia uma lei na Bahia que obrigava os templos das religiões de origem africana a se cadastrarem na delegacia de polícia mais próxima. Na Paraíba, uma lei aprovada em 1966 obrigava sacerdotes e sacerdotisas dessas religiões a se submeterem a exame de sanidade mental, por meio de laudo psiquiátrico.
Muitas mudanças ocorreram até 1988, quando a Constituição federal passou a garantir o tratamento igualitário a todos os seres humanos, quaisquer que sejam suas crenças.
O texto constitucional estabelece que a liberdade de crença é inviolável, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos. Determina ainda que os locais de culto e as liturgias sejam protegidos por lei.
Já a Lei 9.459, de 1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões. Ninguém pode ser discriminado em razão de credo religioso. O crime de discriminação religiosa é inafiançável (o acusado não pode pagar fiança para responder em liberdade) e imprescritível (o acusado pode ser punido a qualquer tempo).
A pena prevista é a prisão por um a três anos e multa.
Restrições religiosas atingem 75% da população mundial
Uma pesquisa mundial feita em 2009 e 2010 indicou o aumento da intolerância religiosa. Segundo o Instituto Pew Research Center, com sede nos Estados Unidos, 5,2 bilhões de pessoas (75% da população mundial ) vivem em locais com restrições a crenças.
No período, passou de 31% para 37% a proporção de países com nível elevado ou muito alto de restrições. Entre os países com as maiores restrições governamentais (leis, políticas e ações para limitar práticas religiosas), estavam Egito, Indonésia, Arábia Saudita, Afeganistão, China, Rússia e outros que somaram 6,6 pontos ou mais em um índice de máximo 10. O Brasil aparece, junto com Austrália, Japão e Argentina, em nível baixo, entre os países com 0 a 2,3 pontos.
Mesmo nos países com nível moderado ou baixo de restrições, houve aumento da intolerância. Nos Estados Unidos, por exemplo, houve uma proposta — ­rejeitada pela Justiça — de declarar ilegal a lei islâmica. Na Suíça, foi proibida a construção de novos minaretes (torres em mesquitas). O aumento dessas restrições foi atribuído a fatores como crescimento de crimes e violência motivada por ódio religioso.
Projetos modificam Código Penal e regulamentam a Constituição
Entre as propostas em tramitação no Congresso para combater a intolerância religiosa, está o PLC 160/2009, que dispõe sobre as garantias e os direitos fundamentais ao livre exercício da crença, à proteção aos locais de cultos religiosos e liturgias, e à liberdade de ensino religioso, buscando regulamentar a Constituição. O projeto, do deputado George Hilton (PRB-MG), está na Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS). O relator, Eduardo Suplicy (PT-SP, foto), propôs audiência, ainda não agendada, para debater o texto.
O assunto vem sendo discutido também no âmbito da proposta de reforma do Código Penal, tema de comissão especial do Senado. Um grupo de juristas preparou o anteprojeto, posteriormente apresentado como projeto (PLS 236/2012) por José Sarney (PMDB-AP). A intolerância religiosa está relacionada a assuntos do código, como os crimes contra os direitos humanos e os que podem ser praticados pela internet.

A recorrência com que os atos de intolerância acontecem na rua indica que o agressor não teme praticar crimes

Rio - Esta semana, um crime de ódio contra uma menina de apenas 11 anos deixou perplexos todos aqueles que têm esperança de experimentar a liberdade plena de culto no Brasil. O que pode fazer com que alguém se sinta autorizado a discriminar, ofender e agredir publicamente o outro? Que espécie de respaldo imaginário leva criminosos a investir até mesmo contra uma criança, certos de que feri-la — ou quem sabe acabar com sua vida — é a coisa certa a fazer? São perguntas que não podem esperar. 

A convicção dos agressores se fia em lei diferente daquela que rege a nós, brasileiros, num Estado laico. É a partir de uma leitura distorcida do sagrado que conseguem enxergar estranha pertinência no desejo de acabar com o diferente. Certos de que são o povo eleito e de que o adversário imaginário é o mal absoluto, atiram, infelizmente, muitas pedras. Convencidos de que são os escolhidos, querem separar em vida e na história o “joio do trigo”. Mas isso não seria antievangélico?

Na raiz da separação entre um “nós” de eleitos e um “eles” daqueles que devem ser eliminados, qualquer semelhança com o Estado Islâmico, ‘apartaides’ e fascismos é mera realidade! A tomada do Congresso pelas pautas desse grupo que surfa na popularidade reacionária do conservadorismo deve ser combatida, com democracia e direitos.

No mesmo Congresso vai sendo aprovada a lei da menoridade penal. Ainda corre entre comissões proposta esdrúxula de ‘Estatuto da Liberdade Religiosa’, cheio de jabutis para proselitismo entre povos indígenas, fim de punições para agressões religiosas na mídia e outras coisas exóticas que confundem liberdade com liberação para fazer imposição sobre o outro, para pregar a negação de outra fé e oficializar os eleitos apedrejadores. 


Também chama atenção a recorrência com que os atos de intolerância acontecem em espaços públicos, indicando que o agressor não teme praticar seus crimes, talvez por imaginar que está acima das leis. O pior é que o limite entre delírio coletivo e realidade vai se estreitando e pode até vir a se desfazer. Com a expansão do conservadorismo religioso, refletido no Legislativo, a suposta lei que legitima a pedrada aproxima-se perigosamente das leis de verdade. E aí muito mais pedras virão.


Um protesto contra intolerância religiosa reuniu diversas pessoas neste domingo (21) no Largo do Bicão, na Vila da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. O ato, que agrupa fiéis de diferentes religiões,foi realizado após a menina Kailane Campos, de 11 anos, candomblecista, ter sido apedrejada na saída de um culto.
Vestidos de branco ou com vestimentas próprias de suas crenças, centenas de religiosos pediam "paz e respeito", em torno de 11h. Em ato ecumênico, às 12h, o grupo seguia em caminhada em direção ao localonde a menina foi atingida, na Avenida Meriti, na Vila da Penha, Zona Norte.
"É muito lindo ver isso tudo aqui junto", declarou a mãe de Kailane, Karina Coelho. "Unir todo mundo na paz e o amor entre todos. Eu acho que essa seria a palavra para isso [para definir o protesto]".
O Centro de Operações da Prefeitura do Rio informou às 13h38, "que, após a liberação do trecho da Avenida Meriti a partir da altura do Largo do Bicão, sentido Avenida Brasil, o trânsito na região está intenso".
RJ lidera denúncias
Um levantamento feito pelo G1 com números de 2014 do Disque 100, que recebe telefonemas anônimos sobre vários tipos de violência (da doméstica à homofobia), mostrou que o estado liderou naquele ano o registro de denúncias relacionadas à religião em todas as faixas etárias. Além disso, entre 2011 e 2014, o Rio foi a unidade da federação com maior número de discriminação religiosa contra crianças e adolescentes.

Durante esses quatro anos, foram 16 denúncias de intolerância religiosa contra os jovens. O segundo estado com maior número de casos nesta faixa etária é São Paulo, com 11. Em terceiro, aparecem Bahia e Ceará, com menos da metade das denúncias do Rio: sete.
'Nada abala fé'
Kailane Campos disse que nunca sentiu nenhum tipo de discriminação e que ficou nervosa no momento da agressão. "Esse susto não abala minha fé, ela vai sempre continuar", disse.

A menina deu entrevista à GloboNews na companhia da avó, Kátia Marinho, que no candomblé é conhecida como Mãe Kátia de Lufan. Iniciada no candomblé há mais de 30 anos, ela descreveu como foi o momento da pedrada.
"Há 25 anos tenho um barracão na Vila da Penha. Éramos um grupo de oito pessoas, saímos da casa do meu compadre e voltávamos para o meu barracão. Quando pegamos a (Avenida) Meriti, eles estavam no ponto de ônibus. Quando viram um monte de gente de branco, começaram a falar: 'É coisa do diabo, está amarrado'. Continuamos a andar e de repente só escutamos ela gritar, o sangue desceu", explicou.
Iniciada no candomblé há mais de 30 anos, a avó da garota diz que nunca havia passado por uma situação como essa.
Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/06/rio-tem-protesto-contra-intolerancia-religiosa-na-zona-norte.html; http://intoleranciareligiosadossie.blogspot.com.br/; http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/2013/04/16/intolerancia-religiosa-e-crime-de-odio-e-fere-a-dignidade. Acesso em: 23/06/2015.
Imagem disponível em: http://blog.radardaproducao.com.br/culturas/1767/intolerancia-religiosa-e-respeito/. Acesso em: 23/06/2015.

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