sábado, 15 de abril de 2017

A CONSTRUÇÃO DO NÚMERO


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Ao observarmos ao nosso redor, podemos perceber que, a todo o momento, as pessoas estão contando alguma coisa. Contamos o número de alunos em uma turma ou escola, a quantidade de materiais escolares, o dinheiro ...

Mas será que o ser humano contou desde sempre e da mesma forma?

Houve épocas em que ele não contava porque não havia necessidade. A Matemática se desenvolveu ao longo dos tempos como uma linguagem que partiu da necessidade do ser humano de manter-se vivo e confortável. Mas esta necessidade não foi individual. Vários educadores matemáticos, como, por exemplo, Moura (2012), entendem a Matemática como um conhecimento que atende objetivos do coletivo e o indivíduo aprende as novas sínteses geradas na solução de problemas sociais. Dessa forma, pode-se compreender a produção do conhecimento matemático como o modo humano de construir respostas para as suas necessidades básicas construídas nas relações sociais. 

Quando era nômade, o ser humano vivia em abrigos como cavernas e, para sobreviver, caçava e pescava. Para isso, o simples senso numérico permitia-lhe perceber as quantidades de modo a suprir suas necessidades. Assim, por exemplo, apenas observando os peixes que havia pescado, ele sabia se seriam ou não suficientes para a refeição de seu grupo; da mesma forma que, ao coletar um punhado de frutos, ele percebia se estes supririam sua fome. Isso acontecia sem que existissem números e sem uma contagem como conhecemos hoje. 

O senso numérico é a capacidade que permite diferenciar, sem contar, pequenas quantidades de grandes quantidades, perceber onde há mais e onde há menos, quando há “tantos quantos” ou uma situação de igualdade entre dois grupos. O senso numérico é a capacidade natural que o ser humano e alguns animais possuem para apropriar-se de quantidades, ou seja, num golpe de vista consegue-se indicar quantidades pequenas, de um a cinco, mesmo que estas se refiram a objetos ou seres que podem estar em movimento, como animais ou aves em um pasto.

Ou, ainda, se você der a uma criança que ainda não sabe contar certa quantidade de bolinhas e, depois dela brincar um pouco, retirar algumas, ela não saberá quantas você retirou, mas saberá que a quantidade foi modificada. 

Estudiosos do assunto, como Dantzig (1970), afirmam que alguns animais também possuem um senso numérico, embora bastante rudimentar e limitado. Ele cita exemplos como o de pássaros que conseguem identificar se são retirados dois ou mais ovos de seus ninhos e apresenta o famoso relato do homem que queria matar um corvo.






As atividades de sobrevivência ligadas à caça e à coleta modificaram-se à medida que o ser humano passou a criar animais e a plantar seus próprios alimentos. Surgiu, então, a necessidade de controlar as quantidades desses alimentos, animais e utensílios. Com isso, foi preciso encontrar formas de conhecer quantidades para controlá-las. Pode-se dizer então, que, quando o ser humano começou a produzir para o próprio sustento, ele descobriu a quantidade. E essa descoberta levou-o à contagem, ou seja, ao virar produtor, encontrou muitos problemas que o coletor não conhecia: como saber quantos pés de qualquer fruto cultivar para alimentar sua grande tribo? Como saber quantos animais deveria ter para se manter? Nesse sentido, as professoras Anna Regina Lanner de Moura e Maria do Carmo de Sousa desenvolvem uma interessante sequência didática, que pode ser consultada nas referências.

A partir disso, surgem problemas como o do pastor de ovelhas que precisava controlar a quantidade de seus animais e ter certeza de que nenhum havia se perdido. 

Em sala de aula, o professor pode propor situações que exijam a necessidade de controle de quantidades.

Veja a atividade “O pastor e suas Ovelhas” na Seção “Compartilhando”.

Para solucionar problemas de controle de quantidades, as primeiras formas que o ser humano criou estavam relacionadas ao que chamamos de correspondência um a um ou correspondência termo a termo.

Mas o que é correspondência um a um? 

Correspondência um a um é a relação que se estabelece na comparação unidade a unidade entre os elementos de duas coleções. Nessa comparação, é possível determinar se duas coleções têm a mesma quantidade de objetos ou não e, então, qual tem mais ou qual tem menos. 

Por exemplo, na necessidade de controlar a quantidade de ovelhas do seu rebanho, o pastor precisou criar outra coleção que lhe permitiu representar cada ovelha do rebanho por uma pedra. Assim, a quantidade associada à coleção de pedras é equivalente à quantidade de ovelhas do rebanho. 

No controle de quantidades por meio da correspondência um a um, para cada elemento de uma coleção que se deseja contar, existe outro elemento de outra coleção que assume o papel de contador. Ao carregar consigo a quantidade de pedras, o pastor conserva a quantidade de ovelhas através de um registro prático, uma vez que existe a possibilidade de ser guardado. 

A correspondência um a um é também utilizada por nós no dia a dia. Tome como exemplo uma atividade cotidiana como a de andar de ônibus. Ao entrar em um ônibus, percebe-se, de imediato, duas coleções: os bancos e as pessoas. Ao darmos uma rápida olhada, podemos, facilmente, sem contar, verificar se estes dois conjuntos têm a mesma quantidade de elementos ou ainda se um deles tem mais elementos que o outro. Se há lugares desocupados e ninguém está em pé, significa que há mais bancos do que pessoas. De outro lado, se todos os lugares estão ocupados e há pessoas em pé, teremos mais pessoas do que bancos. Nesses dois casos a correspondência um a um não foi completa. Mas, quando acontece de ninguém estar em pé e não há banco vazio, então há tantos bancos quantas pessoas. Esse é um exemplo comum, usado por muitos autores. Às vezes a situação é a de pessoas que vão a um cinema, ou ainda uma criança que, ao distribuir os pratos em uma mesa para o almoço tenta colocar um prato para cada pessoa. Os conceitos de mais, de menos e de igual são relações básicas para o desenvolvimento do conceito de número.

Na sala de aula, diariamente, também fazemos uso auxiliar da correspondência um a um quando não há necessidade de realizar contagens. Por exemplo: o professor quer distribuir uma folha de desenho para cada um de seus alunos, mas ainda não verificou se todos estão presentes e não sabe exatamente quanto material tem. Neste caso, ele não precisa saber a quantidade de alunos e nem de folhas, basta entregar uma folha para cada aluno. 

Historicamente, embora a correspondência um a um não permitisse ao ser humano saber exatamente quanto tinha, dava-lhe condições de ter controle sobre as quantidades. Inicialmente, essa correspondência era feita com a utilização de recursos materiais encontrados na natureza como pedras, pedaços de madeira, conchas, frutos secos... Esses instrumentos serviram para controlar as quantidades dos animais que se multiplicavam ou se moviam. Mas, com o passar do tempo, esses materiais tornaram-se pouco práticos para manusear, principalmente quando não permitiam o controle de grandes quantidades. 

Com isto, o ser humano colocou-se em uma situação em que precisava encontrar outras formas de controlar as correspondências que estabelecia e, então, passou a fazer registros em paus, ossos, nós em cordas. Da mesma forma, a criança na escola pode fazer registros de quantidades sem conhecer os símbolos numéricos que utilizamos atualmente.

Disponível em: http://pacto.mec.gov.br/images/pdf/cadernosmat/PNAIC_MAT_Caderno%202_pg001-088.pdf. Acesso em: 15/04/2017.

Imagem disponível em: http://angelafabianacarol.blogspot.com.br/. Acesso em: 15/04/2017.






sexta-feira, 7 de abril de 2017

O SIGNIFICADO DAS NOTAS E CONCEITOS
(JUSSARA HOFFMANN)
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A partir dessas discussões estabelecidas, venho acompanhando atentamente as diferentes respostas dos professores. Durante alguns cursos e encontros travam-se verdadeiras batalhas entre os participantes, na defesa de argumentos absolutamente contraditórios entre si. Os termos teste e medida são definidos de forma vaga, e as respostas não revelam consenso entre os professores. Essa experiência serviu de referencial para a organização do quadro a seguir que expressa o panorama dos equívocos estabelecidos em relação a termos pertinentes à prática avaliativa (HOFFMANN, 2013, p. 58-59):

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EQUÍVOCOS DECORRENTES DE IMPRECISÕES DA TERMINOLOGIA

- A expressão medida, em educação, adquiriu uma conotação ampla e difusa.
- Estabelecem-se notas e conceitos por meio de métodos impressionistas ou por comparação, incorrendo em arbitrariedades.
- O termo conceito assume, na escola, significado de medida.
- A medida assume, muitas vezes, papel absoluto nas decisões de eliminação.
- O teste é entendido como instrumento de constatação e mensuração e não de investigação.
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Passarei, então, a desenvolver algumas considerações a respeito dos equívocos enunciados.

"Medir é régua" e "testar é ver se funciona", respondeu Elisa com oito anos. A criança buscou definir os termos a partir de sua lógica infantil, de sua experiência de vida. E como os professores definem esses termos? Parece-me que os equívocos se ampliam na proporção da relação entre esses termos e a prática avaliativa classificatória das escolas. A palavra medida, principalmente, recebe várias definições e assume uma ampla e difusa conotação (HOFFMANN, 2013, p. 59-60).

Pelo seu significado próprio, medimos extensão, quantidade, volume e outros atributos dos objetos e fenômenos. O que medimos deve ser invariavelmente expresso em escalas ou graus numéricos, segundo Lindeman (1972). Assim, nem todos os fenômenos podem ser medidos, por não haver instrumentos para tanto, ou por não admitirem tal precisão numérica. Felizmente, os cientistas ainda não fabricaram instrumentos para medir o amor ou a tristeza e outros elementos humanos. Podemos medir, na escola, a frequência às aulas, por exemplo elemento sempre presente nos regimentos escolares. Ou podemos medir (contar) o número de acertos em uma tarefa, o número de livros lidos ou de trabalhos entregues (HOFFMANN, 2013, p. 60).

Mas o que se percebe é que os professores não definem o termo medida com essa clareza. E muito menos o utilizam nesse sentido. O que acontece é, então, a atribuição de graus numéricos a vários aspectos relacionados à vida do aluno na escola, indiscriminadamente. Decorre, desse equívoco, a atribuição de notas a aspectos atitudinais dos estudantes (comprometimento, interesse, participação) ou a tarefas deles que não admitem escores precisos (redações, desenhos, monografias).

Nem todas as tarefas escolares são organizadas de forma a resultar em contagem de acertos (os denominados itens objetivos). Mesmo assim, os professores atribuem valores numéricos a essas tarefas com a mesma determinação com que o fazem em relação aos itens objetivos. Algumas vezes definem critérios, parâmetros, para a atribuição de pontos. Mas a precisão desses critérios é tema de várias teses em educação devido à complexidade do assunto (HOFFMANN, 2013, p. 61).

O que percebo é que a compreensão de muitos professores é de que "tudo pode ser medido", sem que se deem conta de que muitas notas são atribuídas arbitrariamente, ou seja, por critérios  individuais, vagos e confusos, ou precisos demais para determinadas situações.

A arbitrariedade na atribuição de graus e conceitos, muitas vezes, acontece por métodos impressionistas e por comparação. Na atribuição de uma nota/conceito por comprometimento a um determinado aluno, como procede o professor? Utiliza-se, geralmente, das escalas padrões (0a 10 ou 0 a 100) ou conceitos escalonados e vale-se de sua impressão geral a respeito do aluno para atribuir-lhe notas 9 ou 5, por exemplo. Outro procedimento rotineiro é o de adição ou subtração de pontos por atitude, também arbitrariamente (HOFFMANN, 2013, p. 62).

As notas/conceitos dos alunos, na grande maioria das vezes, não correspondem a pontos referenciais determinados (determiná-los consiste, mesmo, tarefa difícil), assim, vale a impressão geral dos professores e sua decisão individual do que seja uma graduação numérica representativa de maior ou menor comprometimento do aluno. Entre dois professores, em situações muito próximas, podem ocorrer incríveis diferenças na atribuição de menções por esses aspectos atitudinais.

Acrescenta-se, ainda, o grande perigo das notas atribuídas por métodos comparativos: o aluno ideal (definido subjetivamente pelo professor) é o aluno nota 10, os demais recebem notas conforme forem piores ou melhores do que ele. Os procedimentos impressionista e comparativo prevalecem igualmente na atribuição de notas a tarefas dos alunos que não possibilitem contagem de acertos como a redação (HOFFMANN, 2013, p. 63).

Pesquisas realizadas por French, Braddock e Coffman (apud Vianna, 1976) apontam algumas conclusões sobre a questão de variabilidade na atribuição de notas a redações: a) diferentes professores tendem a atribuir diferentes notas ao mesmo trabalho em diferentes ocasiões; b) as diferenças tendem a aumentar na medida em que as dissertações permitem grande liberdade de expressão. Essas conclusões são bastante significativas em meus estudos sobre avaliação. Participando de equipes de correção de redação em concursos vestibulares da UFRGS, observei minha própria tendência em relacionar as redações que corrigia às anteriores lidas. Fato esse que deu origem a uma pesquisa sobre correção de redações (HOFFMANN, 2013, p. 64).

Essas atribuições fazem parte de nossa história como estudantes. Algumas vezes convivemos com professores que só corrigem os trabalhos após tê-los todos em mãos. Dizem, inclusive, precisar de uma "base" para "dar a nota". Essa referida base é justamente a necessidade de comparar os alunos, encontrar o trabalho nota 10, como ponto de partida na classificação dos demais. Curiosamente, a arbitrariedade desse procedimento parece ser resultante de uma necessidade de o professor colecionar dados precisos do aluno, sem se dar conta de que a imprecisão e a injustiça ocorrem justamente devido ao uso equivocado da medida em educação (HOFFMANN, 2013, p. 64).

REFERÊNCIA: 

HOFFMANN, Jussara. Avaliação: mito & desafio: uma perspectiva construtivista. 43. ed. Porto Alegre, RS: Mediação, 2013.

Imagem disponível em: http://celiacosta-estudos.blogspot.com.br/2011/05/avaliacao-da-aprendizagem-mitos-e.html. Acesso em: 07/04/2017.