domingo, 2 de agosto de 2015

FREINET E O MÉTODO NATURAL DE ALFABETIZAÇÃO


Segundo Gilda Rizzo Soares, o método natural foi implementado no Brasil em 1946, no Instituto de Educação do Rio de Janeiro, a partir de estudos de Heloisa Marinho, em colaboração com Lourenço Filho, inspirados em pesquisas alemãs. Sua análise comparativa de métodos de alfabetização apontou relações entre método global e método natural, com algumas diferenças: no segundo, haveria uma produção mais “espontânea” de textos, escritos pelas crianças, a partir de um repertório mínimo de palavras conhecidas pela classe. A esse repertório poderiam ser acrescidos substantivos e verbos de ligação, desenhos, atividades e jogos para análise sonora e gráfica que levam a criança a perceber o som dentro do todo o audiovisual da palavra – entre outros, o jogo “preguicinha”, com objetivo de desenvolver o reconhecimento de sons e letras, a partir da emissão oral da “melodia” da palavra inteira, apresentada lentamente.
Segundo Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard, o método natural foi utilizado pelo pedagogo francês Freinet e assumido por ele como uma adesão ao método global de leitura – que teve seu auge em 1960 –, com foco na produção escrita. Nessa atividade, a criança teria necessidade de solicitar a um adulto um modelo gráfico das palavras e sua motivação seria mantida por incentivos para que se comunicasse à distância. A leitura, assim, seria consequência da escrita. Na prática do método em escolas francesas, após discussões livres, os professores encaminhavam com a classe a escrita de uma frase ou texto, lido, copiado no caderno e depois impresso, com a escolha dos alunos “tipógrafos do dia”. Além disso, era registrado em cartolina e cortado em tiras, para ser remontado. A questão da decodificação só se tornava necessária em determinada época do ano, na qual os alunos trocavam arquivos entre salas e era necessário ler palavras novas. O professor intervinha, com comparação entre as palavras novas e as memorizadas, propondo a análise em forma de jogo.
A produção de uma imprensa pedagógica tem, então, uma centralidade no método natural de Freinet. Nessa pedagogia, as crianças escrevem porque é preciso realizar um jornal escolar e trocar correspondências, e não apenas para cumprir uma atividade escolar, escrevendo para pessoas que estão presentes. Percebe-se, assim, que a produção de textos visava a cumprir uma função social, contribuindo para uma vivência democrática na escola.
O trabalho de alfabetização denominado linguagem integral por Ana Teberosky e Teresa Colomer segue princípio semelhante ao do método natural e privilegia a escrita e a leitura, quando essas se fazem necessárias. Acredita-se que as crianças aprendem a ler e a escrever em situações de imersão em seus diversos usos sociais, em situações comunicativas e em intercâmbios em sala de aula. A aprendizagem das convenções da escrita ocorreria da mesma forma, evitando-se o ensino direto de letras ou de palavras descontextualizadas. O método preconiza, assim, atividades de alfabetização pouco dirigidas pelo professor, com ênfase nas ações autênticas em torno dos atos de escrever e ler.

Importância do êxito

Não foi por acaso que Freinet criou uma pedagogia do trabalho. Para ele, a atividade é o que orienta a prática escolar e o objetivo final da educação é formar cidadãos para o trabalho livre e criativo, capaz de dominar e transformar o meio e emancipar quem o exerce. Um dos deveres do professor, segundo Freinet, é criar uma atmosfera laboriosa na escola, de modo a estimular as crianças a fazer experiências, procurar respostas para suas necessidades e inquietações, ajudando e sendo ajudadas por seus colegas e buscando no professor alguém que organize o trabalho.

Outra função primordial do professor, segundo Freinet, é colaborar ao máximo para o êxito de todos os alunos. Diferentemente da maioria dos pedagogos modernos, o educador francês não via valor didático no erro. Ele acreditava que o fracasso desequilibra e desmotiva o aluno, por isso o professor deve ajudá-lo a superar o erro. "Freinet descobriu que a forma mais profunda de aprendizado é o envolvimento afetivo", diz Rosa Sampaio.

Ao lado da pedagogia do trabalho e da pedagogia do êxito, Freinet propôs, finalmente, uma pedagogia do bom senso, pela qual a aprendizagem resulta de uma relação dialética entre ação e pensamento, ou teoria e prática. O professor se pauta por uma atitude orientada tanto pela psicologia quanto pela pedagogia - assim, o histórico pessoal do aluno interage com os conhecimentos novos e essa relação constrói seu futuro na sociedade.

Livre expressão

Esse aspecto muito particular que atribuía ao aprendizado de cada criança é a razão de Freinet não ter criado um método pedagógico rígido, nem uma teoria propriamente científica. Mesmo assim, seu entendimento sobre os mecanismos do aprendizado mereceu elogios do biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), cuja teoria do conhecimento se baseou em minuciosa observação científica.

Freinet dedicou a vida a elaborar técnicas de ensino que funcionam como canais da livre expressão e da atividade cooperativa, com o objetivo de criar uma nova educação. Lançou-se a essa tarefa por considerar a escola de seu tempo uma instituição alienada da vida e da família, feita de dogmas e de acumulação estéril de informação - e, além disso, em geral a serviço apenas das elites. "Freinet colocou professor e alunos no mesmo nível de igualdade e camaradagem", diz Rosa Sampaio. O educador não se opunha, porém, às aulas teóricas. A primeira das novas técnicas didáticas desenvolvidas por Freinet foi a aula-passeio, que nasceu justamente da observação de que as crianças para quem lecionava, que se comportavam tão vividamente quando ao ar livre, pareciam desinteressadas dentro da escola. Uma segunda criação célebre, a imprensa na escola, respondeu à necessidade de eliminar a distância entre alunos e professores e de trazer para a classe a vida "lá fora". "É necessário fazer nossos filhos viver em república desde a escola", escreveu Freinet.

A pedagogia de Freinet se fundamenta em quatro eixos: a cooperação (para construir o conhecimento comunitariamente), a comunicação (para formalizá-lo, transmiti-lo e divulgá-lo), a documentação, com o chamado livro da vida (para registro diário dos fatos históricos), e a afetividade (como vínculo entre as pessoas e delas com o conhecimento).

Cooperação sim, manuais não

Com a intenção de propor uma reforma geral no ensino francês, Freinet reuniu suas experiências didáticas num sistema que denominou Escola Moderna. Entre as principais "técnicas Freinet" estão a correspondência entre escolas (para que os alunos possam não apenas escrever, mas ser lidos), os jornais de classe (mural, falado e impresso), o texto livre (nascido do estímulo para que os alunos registrem por escrito suas idéias, vivências e histórias), a cooperativa escolar, o contato freqüente com os pais (Freinet defendia que a escola deveria ser extensão da família) e os planos de trabalho. O pedagogo era contrário ao uso de manuais em sala de aula, sobretudo as cartilhas, por considerá-los genéricos e alheios às necessidades de expressão das crianças. Defendia que os alunos fossem em busca do conhecimento de que necessitassem em bibliotecas (que deveriam existir na própria escola) e que confeccionassem fichários de consulta e de autocorreção (para exercícios de Matemática, por exemplo). Para Freinet, todo conhecimento é fruto do que chamou de tateamento experimental - a atividade de formular hipóteses e testar sua validade - e cabe à escola proporcionar essa possibilidade a toda criança.

Para pensar

A utilização de técnicas desenvolvidas por Freinet, em particular as aulas-passeio e os cantinhos temáticos na sala de aula, não significam por si só que o professor adotou uma prática freinetiana. É preciso lembrar que o educador francês criou tais recursos para atingir um objetivo maior, que é o despertar, nas crianças, de uma consciência de seu meio, incluindo os aspectos sociais, e de sua história. Quando você promove atividades em sua escola, costuma ter consciência de como elas se inserem num plano pedagógico mais amplo?

Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/celestin-freinet-307897.shtml; http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/metodo-natural-metodo-freinet-metodo-de-linguagem-integral. Acesso em: 02/08/2015.

Imagem disponível em: http://iconica.com.br/site/jonathas-de-andrade-tensao-critica-entre-a-palavra-e-a-imagem/ .Acesso em: 02/08/2015.

2 comentários:

  1. Há estudiosos que condenam esse método de alfabetização. Alegam que o mesmo ativa uma leitura mecânica,sem compreensão.
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    1. Acho uma leitura rasa da obra, trabalho com esse método há quase 20 anos, minha dissertação de mestrado orientada pela profa. Ana Luiza Smolka foi sobre isso... enfim, minha prática me permite dizer que dá certo! rs

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