sábado, 22 de agosto de 2015

POLÍTICAS PARA A ALFABETIZAÇÃO?


Diversas avaliações nacionais do sistema educacional em larga escala produzem indicadores que revelam deficiências e acertos nas escolas públicas e privadas. Um desses instrumentos é a Provinha Brasil. Aplicada desde 2008, no começo e no fim do segundo ano do ensino fundamental das escolas públicas, o teste é um instrumento utilizado para avaliar o nível de alfabetização das crianças.

De posse dos resultados, professores e gestores da educação podem ajustar a prática em sala de aula ou mesmo redefinir estratégias de articulação com as políticas públicas para obtenção dos resultados propostos – no caso, a alfabetização até os oito anos de idade.

O papel da gestão na escola diante das avaliações foi o tema da mesa “Ler, escrever e contar: e se a escola não dá conta de garantir este aprendizado?”, realizada no 7º Congresso GIFE, evento em São Paulo que reuniu lideranças para debater novas perspectivas de ação para investidores sociais do setor privado.

Inês Miskalo, coordenadora da área de educação formal do Instituto Ayrton Senna e uma das debatedoras acredita que “não tivemos até hoje uma política de alfabetização de fato”. De acordo com ela, para que a gestão educacional no sistema público de ensino dê bons resultados é preciso pensar a rede de forma sistêmica, considerando o contexto social de cada unidade escolar.

“Os problemas que uma escola enfrenta não são isolados. A política pública deve articular as iniciativas pontuais com ações que beneficiem a todos”, alerta. Ela afirma ainda que tão importante quanto os diagnósticos são as necessidades mostradas pelos dados levantados.

“De diagnósticos o país está bem suprido, só que muitas vezes o professor não sabe com quais resultados está alinhado”, pondera Miskalo. “Não dá para fazer planejamento igual para todo mundo. É fundamental integrar os processos no dia a dia para que a gestão passe a ser compartilhada”.

MEC

Recentemente, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante,  afirmou que o programa “Alfabetização na Idade Certa” é uma das prioridades do seu governo. Ele também anunciou possíveis alterações na Provinha Brasil, embora educadores defendam mudanças acompanhadas de outras medidas.

O colóquio contou também com a participação de Ana Lúcia Lima, do Instituto Paulo Montenegro, que falou sobre a Prova ABC. Realizada em parceria com a Fundação Cesgranrio, representada no evento por Vilma Fontanine, a avaliação verifica o nível de leitura, escrita e aprendizado de matemática de alunos que concluíram com êxito o 3º ano do Ensino Fundamental (antiga 2ª série).

Araly Palacios, do Instituto Razão Social completou a mesa para contar a sua experiência de campo nos estados em que atua. A mediação ficou a cargo de Andrea Bergamaschi, do Todos Pela Educação.

Para se consolidar como política efetiva, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa precisa ir além da formação de professores e integrar ações de gestão.


A sala que reúne 20 educadoras dos três primeiros anos do ensino fundamental da rede municipal de Porto Alegre concentra uma pequena amostra dos desafios a serem enfrentados pelo sistema educacional brasileiro para garantir a introdução das crianças no mundo das letras com a atenção e qualidade devidas. Ao longo do encontro, o sexto de uma série que faz parte do processo de formação de alfabetizadores do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), as perguntas e comentários das professoras revelam questões que merecem reflexão dentro e, principalmente, fora das salas de aula. "É difícil fazer o planejamento integrando os três anos. Não temos tempo ou espaço para isso na escola", diz uma alfabetizadora. "Quando propus algumas mudanças, a supervisão e a direção me cobraram que eu mostrasse onde, no material do Pacto, estava escrito que a gente devia fazer o que eu estava propondo. Acho que eles também precisam ser formados para a questão da alfabetização", conta outra. "Não sei se vou dar conta de tudo que preciso fazer", desabafa uma terceira.


Integração das equipes, sensibilização dos gestores e apoio ao trabalho dos educadores - necessidades expostas pelas falas dessas professoras - são apenas uma parte dos problemas a serem enfrentados quando o assunto é a alfabetização de crianças. A análise das ações mais recentes neste sentido, o que inclui o próprio Pnaic e a extensão do ensino fundamental para nove anos (leia na pág. 24), mostra que ainda é preciso tapar muitos buracos na base do processo da educação escolar.

Embora venham melhorando sensivelmente, os resultados do país no Programa Internacional para Avaliação de Estudantes (Pisa) e na Prova Brasil mostram que a maioria dos estudantes chega à metade e ao fim do ensino fundamental com pouca ou muito pouca proficiência em leitura e escrita. Os dados são o retrato do chamado efeito bola de neve: alunos na metade do percurso escolar lidando com dificuldades acumuladas desde os primeiros passos no caminho das letras e dos números. 

O relato da professora gaúcha Giseli Silva mostra que esse problema já pode ser sentido durante o processo de alfabetização. Responsável por uma turma A30 - a nomenclatura usada pela rede municipal de Porto Alegre para o que seria o 3o ano do fundamental, desde que foi implementado o sistema de ciclos há 18 anos - na Escola Municipal Villa-Lobos, ela diz que uma das dificuldades de seu trabalho é lidar com alunos em diferentes estágios do processo de alfabetização dentro da mesma sala de aula. "Recebo crianças com níveis muito variados: algumas chegam aqui pré-silábicas ainda, com dificuldade de relacionar som com letra."

Lançado no ano passado, com a adesão de praticamente 100% dos estados e municípios, o Pnaic apresenta-se como a política da vez para que as redes de ensino públicas melhorem seu desempenho nos anos iniciais do fundamental. A meta do Pacto é garantir que todas as crianças brasileiras estejam plenamente alfabetizadas até os 8 anos de idade. Para isso, foi criado um sistema de formação voltado para a qualificação dos alfabetizadores, o que inclui os professores do 1o, 2o e 3o anos. Eles recebem bolsas de incentivo à participação nos cursos, ministrados por orientadores capacitados por universidades parceiras e coordenados por um gestor designado pela Secretaria Municipal de Educação. O Pnaic oferece, ainda, materiais didáticos e paradidáticos específicos, que devem servir como apoio para que os alfabetizadores concretizem em sala as diretrizes pedagógicas e didáticas propostas pelo MEC.

Contra a solidão
A organização e realização dos cursos é tarefa das secretarias municipais de Educação. Em Porto Alegre, as orientações integram os professores dos três anos envolvidos na tarefa da alfabetização. "É importante eles terem contato um com o trabalho do outro, afinal a ideia é que o processo de alfabetização se dá ao longo dos três anos, não é o trabalho isolado de uma professora", comenta a educadora Carla Cardorello, orientadora do Pnaic e responsável por dois núcleos de formação, incluindo o grupo descrito no início da reportagem. Para as professoras, esses momentos são interessantes, mas não suficientes. "Aqui na escola, estamos até separados fisicamente: as salas dos A10 [1o ano] ficam num prédio à parte e os A20 [2o ano] e A30 [3o ano], noutro", diz a professora Kátia Ribas, colega de Giseli na Villa-Lobos. "Nem os alunos convivem entre si, nem nós." 

"O professor, em geral, é muito solitário", diz Antonio Augusto Gomes Batista, coordenador de pesquisas do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). Essa solidão acaba se expressando em dificuldades para inovar práticas de sala de aula. Batista chama a atenção para o que poderia ser feito para além da formação - proposta central do Pnaic e uma oportunidade para aproximar os educadores e proporcionar novas reflexões. "As boas experiên­cias de formação são aquelas que vêm acompanhadas de tutorias, para que o professor possa, a partir de uma base estruturada, ter mais autonomia para desenvolver as atividades", diz. A demanda das professoras de Porto Alegre sobre o envolvimento dos supervisores com o Pnaic faz, portanto, sentido. 

Outro elemento importante seria ter materiais didáticos propositivos, que pudessem guiar os educadores na criação dos projetos e atividades. E um terceiro elo desta rede de apoio ao professor seria o monitoramento. Remetendo ao Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), experiência do Ceará que inspirou o desenho do Pnaic (leia mais na pág. 27), ele cita o "sistema de pilotagem" implementado, com coordenadores locais voltados especificamente para o acompanhamento do trabalho dos alfabetizadores. Além de apoio direto ao professor, um sistema desse tipo permite o acompanhamento permanente do programa. "A avaliação só é boa se ela fornece elementos para correção de caminhos", ressalta Batista. 

A proposta do MEC para o acompanhamento dos resultados do Pnaic é a criação da Avaliação Nacional da Alfabetização. A realização de um teste de desempenho suscitou críticas por colocar pressão sobre as crianças, no momento da aplicação, e sobre os educadores, que se sentiriam pressionados a apresentar bons resultados, o que poderia desviar o foco do processo para a prova. "Os professores demonstram estar muito preocupados com os objetivos traçados", ressalta Márcia Aparecida Jacomini, professora de educação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Esse tipo de avaliação também pode ajudar a "apagar" variáveis que influenciam o processo de alfabetização, mas que vão além da sala de aula.

Além do quadro-negro
"A maior demanda que as professoras trazem para nossos encontros de orientação é como trabalhar com a inclusão, realidade cada vez mais forte na rede pública", conta a orientadora do Pnaic, Carla. Em outras palavras, as alfabetizadoras demonstram a necessidade de receber apoio para lidar com a diversidade de perfis de alunos que encontram em sala de aula. "Elas têm de alfabetizar - e na idade certa - crianças com defi­ciência e em situação de vulnerabilidade social", diz. Isso indica a necessidade de  reforçar a articulação entre atores externos à escola: das redes de saúde e assistência social às famílias. 

"Não é à toa que essas questões aparecem. O que foge ao alcance da escola gera muita angústia no corpo escolar", diz Maria do Socorro Nunes Macedo, professora da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ) e coordenadora do Grupo de Trabalho de Alfabetização, Leitura e Escrita da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). Ela lembra a pressão exercida pelas avaliações, que exigem bom desempenho da escola e do professor, mas desconsideram questões relacionadas à desigualdade social e acesso a bens simbólicos, problemas com os quais o Poder Público deveria lidar. "A cultura escrita é um bem simbólico fundamental para que a criança tenha um bom desempenho na escola, especialmente no processo de alfabetização", lembra.

Maria do Socorro diz que o Pnaic, sendo a primeira política pública articulada nacionalmente para enfrentar as dificuldades de alfabetização, tem justamente como ponto forte retirar a culpa pelo fracasso escolar de cima do aluno e de suas condições não ideais. No entanto, ao centralizar a questão no professor e no seu trabalho, exclui outras variáveis que também precisam ser consideradas pelas políticas públicas para que se possa alfabetizar mais crianças com qualidade e dentro do tempo esperado.

Márcia lembra ainda que as políticas públicas precisam garantir a existência de uma escola que não se furte em lidar com as suas próprias limitações e alfabetizar na idade certa e fora dela. "Se algumas crianças não se alfabetizarem até os 8 anos, teremos de ter uma escola capaz de alfabetizar aos 9, aos 10, quando for", diz ela.


Plataforma do letramento
Lançada este ano, a Plataforma do Letramento reúne diversos materiais de apoio a professores, gestores e outros profissionais envolvidos no processo de alfabetização e desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita dos alunos. Na página é possível encontrar entrevistas, reportagens, artigos de especialistas, publicações, indicações de leituras, vídeos, infográficos e outros recursos didáticos sobre o tema. O site conta ainda com discussões, debates e oficinas on-line e de acesso livre para os educadores no seu processo de formulação e planejamento das ações. 

Além das discussões pedagógicas, a página debate políticas públicas de letramento e formação de leitores, as expressões culturais relacionadas à leitura e escrita e as novas práticas da cultura digital. 
A plataforma, que é uma iniciativa da Fundação Volkswagen com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), também funciona como espaço para a realização dos cursos a distância dos projetos desenvolvidos pelos institutos.
  

Disponível em: http://portal.aprendiz.uol.com.br/arquivo/2012/04/09/%E2%80%9Cnao-tivemos-ate-hoje-uma-politica-de-alfabetizacao-de-fato/; http://revistaescolapublica.com.br/textos/36/artigo302236-1.asp. Acesso em: 22/08/2015.

Imagem disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/como-leitura-pode-ajudar-alfabetizacao-737551.shtml. Acesso em: 22/08/2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário