O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.§ 3o (VETADO)""Art. 79-A. (VETADO)""Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’."
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVACristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
_________________________________________________________________________________
O ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no Brasil sempre foi lembrado nas aulas de História com o tema da escravidão negra africana. No presente texto pretendemos esboçar uma reflexão acerca da Lei 10.639/03, alterada pela Lei 11.645/08, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio.
Uma primeira reflexão que devemos fazer é sobre a palavra escravo, que foi sempre atribuída a pessoas em determinadas condições de trabalho. Portanto, a palavra escravo não existiria sem o significado do que é o trabalho e das condições para o trabalho.
Quando nos referimos, em sala de aula, ao escravo africano, nos equivocamos, pois ninguém é escravo – as pessoas foram e são escravizadas. O termo escravo, além de naturalizar essa condição às pessoas, ou seja, trazer a ideia de que ser escravo é uma condição inerente aos seres humanos, também possui um significado preconceituoso e pejorativo, que foi sendo construído durante a história da humanidade. Além disso, nessa mesma visão, o negro africano aparece na condição de escravo submisso e passivo.
A Lei 10.639/03 propõe novas diretrizes curriculares para o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana. Por exemplo, os professores devem ressaltar em sala de aula a cultura afro-brasileira como constituinte e formadora da sociedade brasileira, na qual os negros são considerados como sujeitos históricos, valorizando-se, portanto, o pensamento e as ideias de importantes intelectuais negros brasileiros, a cultura (música, culinária, dança) e as religiões de matrizes africanas.
Com a Lei 10.639/03 também foi instituído o dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), em homenagem ao dia da morte do líder quilombola negro Zumbi dos Palmares. O dia da consciência negra é marcado pela luta contra o preconceito racial no Brasil. Sendo assim, como trabalhar com essa temática em sala de aula? Os livros didáticos já estão quase todos adaptados com o conteúdo da Lei 10.639/03, mas, como as ferramentas que os professores podem utilizar em sala de aula são múltiplas, podemos recorrer às iconografias (imagens), como pinturas, fotografias e produções cinematográficas.
Uma boa indicação de material didático para abordar esse conteúdo são os materiais intitulados A Cor da Cultura, que variam entre livros animados, entrevistas, artigos, notícias e documentários, disponíveis em http://www.acordacultura.org.br/– material importante que ressalta a diversidade cultural da sociedade brasileira.
Outro importante material sobre a história da África, o qual os professores poderão utilizar como suporte teórico para a compreensão da diversidade étnica que constitui o continente africano, é a coleção História Geral da África, que tem aproximadamente dez mil páginas, distribuídas em oito volumes. Criada e reeditada por iniciativa da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a coleção aborda desde a pré-história do continente africano até os anos 1980, e está disponível para download gratuito em http://www.dominiopublico.gov.br.
O ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, após a aprovação da Lei 10.639/03, fez-se necessário para garantir uma ressignificação e valorização cultural das matrizes africanas que formam a diversidade cultural brasileira. Portanto, os professores exercem importante papel no processo da luta contra o preconceito e a discriminação racial no Brasil.
Todas as escolas públicas e particulares da educação básica devem ensinar aos alunos conteúdos relacionados à história e à cultura afro-brasileiras. Desde o início da vigência da Lei nº 10.639, em 2003, a temática afro-brasileira se tornou obrigatória nos currículos do ensino fundamental e médio.
Apesar disso, a maioria dos alunos ainda não conhece a contribuição histórico-social dos descendentes de africanos ao país. “A lei não foi implementada de maneira a abarcar todos os alunos e professores. O que há são ações pontuais de iniciativa de movimentos negros, do MEC ou de universidades federais”, informa a coordenadora-geral de diversidade e inclusão social da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), Leonor de Araújo.
Para mapear e ampliar as iniciativas de implementação da lei, a Secad, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), realizou uma oficina esta semana, em Brasília. “Queremos traçar estratégias para criar políticas comuns a fim de que a lei alcance a todos”, afirma Leonor.
A Lei nº 10.639/2003 acrescentou à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) dois artigos: 26-A e 79-B. O primeiro estabelece o ensino sobre cultura e história afro-brasileiras e especifica que o ensino deve privilegiar o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. O mesmo artigo ainda determina que tais conteúdos devem ser ministrados dentro do currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística, literatura e história brasileiras. Já o artigo 79-B inclui no calendário escolar o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.
Segundo Leonor, a implementação da lei em todos os estabelecimentos de ensino fundamental e médio só será possível a partir da formação de professores e da oferta de material didático específico. As estratégias necessárias à implementação da lei estarão descritas num documento oficial da oficina que deverá ficar pronto até o dia 20. O documento será encaminhado ao ministro da Educação e às redes de ensino.
A obrigatoriedade do ensino de História e cultura afro-brasileira e africana nas escolas
de ensino fundamental e médio faz parte das discussões de entidades envolvidas com o
Movimento Negro já há algum tempo. Mas somente com a lei, criada em 2003, começou-se a
pensar em políticas educacionais, bem como a escola em geral passou a pensar, e quando
falamos em escola, é claro que, estamos incluindo tanto o quadro de professores, bem como
os alunos e a comunidade, pois estes também se inserem no contexto escolar.
Questões como que conteúdo deve ser passado aos alunos; quais temas são relevantes
no que diz respeito a Historia Africana e sua contribuição para a formação social, cultural e
econômica para o Brasil; como fazer essa abordagem tratando o assunto com a devida
importância e não somente ligando a etnia negra a questão da escravidão, como a
historiografia tradicional fazia até alguns anos atrás, fazem parte das inquietações dos
professores. Porém, devemos nos perguntar até que ponto a criação dessa lei e sua
implementação nas escolas têm o respaldo e o apoio das políticas educacionais que regem a
educação no Brasil quando se trata de dar suporte aos professores.
Apesar de muitos materiais didáticos sobre o assunto terem sido produzidos e, revisões
nos conteúdos serem realizadas a fim de desenvolver a prática pedagógica sem as deturpações
que fizeram parte do estudo da África nas escolas durante anos, ainda não há uma coerência
entre a teoria e a prática no que diz respeito a essa lei.
Isso se evidencia na seguinte afirmação
As questões relativas a aplicabilidade da lei já foram e ainda são discutidas
em diversos eventos científicos envolvendo vários especialistas, resultando
em propostas, posicionamentos, materiais de apoio aos professores e outras
propostas. Entretanto, infelizmente, ainda encontramos profissionais da
educação sem o preparo necessário para trabalhar as questões relativas a
História e cultura afro-brasileira e africana (AGUIAR; AGUIAR, 2010,
p.94)
Sabemos, portanto, que não basta apenas dar as ferramentas para o trabalho, no caso
uma educação de qualidade e sem discriminações, mas é preciso ensinar a usá-las, e no caso
dos professores o desafio e a responsabilidade se tornam ainda maiores, já que a educação é a
base para a construção de uma sociedade mais justa e menos discriminatória, para que, enfim,
as diferenças culturais sejam respeitadas.
É evidente que a implementação da lei 10639/03 trouxe muitos benefícios no que diz
respeito ao tratamento dado as questões étnicas, onde principalmente os negros eram tratados
como “seres inferiores” e passíveis de dominação, justificando assim o sistema escravista que
por séculos sustentou a economia do Brasil. Também é notória a importância que o estudo e
as discussões em sala de aula a respeito da História Africana possuem nos dias atuais.
Porém todas essas preocupações devem estar acompanhadas de um conhecimento a
respeito das diversas culturas que formam o país.
Como alega Souza,
No meu entender, ao tratarmos de assuntos africanos em geral e História da
África em particular, devemos partir do princípio de que temos pouca, ou
mesmo nenhuma familiaridade com os temas relativos ao continente
africano. Dessa forma, o estudo e a pesquisa são requisitos fundamentais
para adquirirmos essa familiaridade e aprofundar o estudo sobre a África.
(SOUZA, 2012, p. 23)
É nesse contexto que em muitas escolas brasileiras, tanto de ensino fundamental
quanto médio, a lei 10639/03 não é muitas vezes aplicada de fato, pois há um despreparo de
alguns professores sobre o assunto, ou existe uma falta de interesse da própria escola em levar
adiante o tema, voltando-se apenas para comemorações de datas como o dia da “Consciência
Negra” ou “13 de Maio”, não refletindo sobre o real significado destas datas, perdendo-se,
assim, a oportunidade de instigar os alunos sobre o tema.
Uma das causas de não haver uma maior aplicação da lei é a questão da formação
desses professores, pois a maioria, não teve durante a sua graduação disciplinas que lhes
proporcionassem algum conhecimento sobre a História Africana, então se faz necessário, a
formação continuada destes docentes e, a devida valorização dos mesmos para a
aplicabilidade da lei 10639/03, pois assim estes profissionais poderão disponibilizar aos seus
alunos um ensino comprometido com a ética e a valorização das diversas culturas que formam
a sociedade brasileira.
Vejamos o que diz um trecho que está presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura AfroBrasileira
e Africana.
O sucesso das políticas públicas de Estado, institucionais e pedagógicas,
visando a reparações, reconhecimento e valorização da identidade, da cultura
e da história dos negros depende necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas favoráveis para o ensino e para
aprendizagens; em outras palavras, todos os alunos negros e não negros, bem
como seus professores, precisam sentir-se valorizados e apoiados. (BRASIL,
2007, p.29)
Percebe-se neste trecho que está inserido nas políticas educacionais a preocupação
com alunos e professores, para um melhor aproveitamento dos conteúdos a serem trabalhados.
Realmente, em algumas escolas tem-se observado mudanças, porém, elas são pequenas se
comparadas com a realidade escolar. O que temos observado na maioria das vezes são
esforços isolados de alguns professores incluírem nas atividades pedagógicas assuntos que
valorizem o conhecimento de História da África junto aos alunos e a escola. No entanto,
muitas vezes, a própria instituição não está engajada para promover o ensino voltado para a
diminuição das desigualdades étnico-raciais.
Essas ações isoladas são denominadas “micro-ações” e, como lembra Aguiar
É importante ressaltar que mesmo com a presença de materiais de apoio e as
diretrizes curriculares que orientam a sua prática pedagógica, ainda
encontramos a atuação de professores de forma isolada, sem o
comprometimento da escola como um todo. (AGUIAR, 2010, p.97)
O texto da lei é claro, mas está “cru”. São os professores apoiados pela escola que
farão sentir seus reflexos na sociedade, claro que é necessário que a grande massa tenha
conhecimento desta lei, para saber que existe um aparato legal que defende o aprendizado da
cultura negra na formação social brasileira. Entretanto, quem trabalha essa lei são as escolas,
por isso é tão importante que todos das instituições estejam cientes da existência da mesma e
como já foi mencionado, ela proporciona uma segurança para ambos os lados, tanto professor
e aluno: o primeiro com a segurança e o último com a certeza de que independente da cor da
pele, ele faz parte de um país e de uma sociedade e, que tem esse direito garantido numa lei
que o reconhece.
Jaqueline Santos, assessora do Programa Diversidade e Raça na Educação da Ação Educativa, apresentou um panorama histórico dos processos de luta que resultaram em tal marco legal. Ela ressalta que a construção desta pauta começou há mais de um século, quando os/as negros/as do pós-abolição viram na educação formal uma maneira de ascender socialmente.
“Embora hoje saibamos que o ambiente escolar é responsável pela manutenção das desigualdades e da discriminação, em um primeiro momento, a educação foi extremamente valorizada como forma da população negra alcançar novos postos e enfrentar os/as brancos/as numa sociedade em pleno processo de modernização. A história começa a mudar quando acontece a percepção de que a educação eurocentrista, amplamente praticada nas escolas, inferiorizava racialmente negros/as. Era preciso romper, era preciso ressignificar a África”, comenta a educadora.
Ao longo dos anos – sobretudo com o surgimento dos novos movimentos sociais na década de 1970 e a retomada das organizações negras em 1978 após o refluxo ocorrido em função do auge do período ditatorial – a educação ganhou cada vez mais destaque. O cenário se tornou ainda mais favorável na Constituinte de 1988, quando o ensino da história do Brasil considerando as diferentes culturas e etnias passou a ser exigência comum das entidades negras.
Na primeira metade da década de 90 do século XX, foi realizado um dos eventos mais significativos para o movimento negro brasileiro, a Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, Pela Cidadania e a Vida. Recebidos por Fernando Henrique Cardoso, no Palácio do Planalto, os/as organizadores/as entregaram ao presidente o “Programa de Superação do Racismo e Desigualdade Racial”, ato que culminou em mudanças como a revisão dos livros didáticos ou mesmo eliminação daquelas obras que traziam os/as negros/as de forma estereotipada, vinculados a valores pejorativos.
Mais do que isso, a contínua pressão e mobilização conquistou, por meio de leis, a inclusão de disciplinas sobre a História dos Negros no Brasil e do Continente Africano nos ensinos fundamental e médio das redes estaduais e municipais de estados como a Bahia e cidades como Belo Horizonte, Porto Alegre, Belém, Aracaju, São Paulo, Teresina e Brasília. Jaqueline relembra que apesar da obrigatoriedade do estudo da história dos/as negros/as, pouco se fez para que ocorresse uma efetiva implementação destas normas estabelecidas regionalmente.
No início de 2003, no entanto, o crescimento do debate em âmbito nacional resultou, finalmente, na alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação com a sanção da conhecida lei 10.639, que determinou os seguintes artigos:
Art. 26 – A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1ª – O Conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2ª – Os Conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.
Todos estes dispositivos legais encontraram nas “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” as orientações para formulação de seus projetos comprometidos com a educação de relações étnico-raciais positivas. Este parecer, aprovado em 2004, procurou dar respostas na área de educação para demanda da população afrodescendente, por meio da construção de uma política curricular que combatesse o racismo e as discriminações, especialmente dos negros.
Diante desta contextualização, Jaqueline chama a atenção para a importância da participação e do controle social, sem os quais, segundo a educadora, seria impossível pensar em uma forma de regulamentação que efetive a implementação da Lei 10.639. Avançamos, mas não podemos parar por aí, a legislação federal é genérica, devemos buscar o acúmulo que temos enquanto movimento, estabelecer metas e lutar para que elas sejam cumpridas”, conclui.
Mas se temos as diretrizes, pra que serve um Plano Nacional de Implementação da 10.639/2003?
Denise Carreira, Coordenadora da Área de Educação da Ação Educativa, ao compartilhar sua experiência como membro da Comissão Interministerial que originou o “Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Lei 10639/2003”, recorda que um ano após a sanção da 10.639 os movimentos negros, entidades da área de educação e setores governamentais já se organizaram no sentido de acompanhar à incorporação da diversidade etnicorracial nas práticas escolares.
“Foi um período de muitas pesquisas, cruzamento de dados, visitas às escolas, diálogos com gestores/as. Precisávamos checar como a 10.639 estava chegando as mais diferentes partes do país. Logo percebemos vários pontos em comuns nas análises, que culminavam em uma implementação fragmentada sem apoio dos/as gestores/as escolares, tendo como característica uma baixa institucionalização. Bastava fazer uma feira no dia 13 de maio, levar um grupo de capoeira para escola no dia 20 de novembro que se acreditava estar implementando a lei”, relembra.
A partir deste diagnóstico e de uma série de seis encontros denominados “Diálogos Regionais sobre a Implementação da Lei 10.639/2003”, coordenado pelo professor Valter Silvério em 2008, as entidades do movimento negro passaram a exigir a construção de um plano que estimulasse as redes de ensino a garantir condições concretas para efetivação de uma educação antirracista. Como decorrência, foi criada a Comissão Interministerial responsável por desenvolver o plano de implementação da 10.639. Denise destaca que o objetivo não era sobrepor as diretrizes, mas sim apresentar condições para que “a lei ganhasse raízes no mundo da escola”. Ela destaca os eixos do documento:
1) Fortalecimento do marco legal – Isso significa, em termos gerais, que é urgente a regulamentação das Leis 10639/03 e 11645/08 (que trata das questões indígenas) no âmbito de estados, municípios e Distrito Federal e a inclusão da temática no Plano Nacional de Educação (PNE).
2) Política de formação para gestores e profissionais de educação – A formação docente é outro ponto estratégico, ela deve contemplar à compreensão da dinâmica sociocultural da sociedade brasileira, visando à construção de representações sociais positivas que encarem as diferentes origens culturais de nossa população como um valor e, ao mesmo tempo, a criação de um ambiente escolar que permita que nossa diversidade se manifeste de forma criativa e transformadora.
3) Política de material didático e paradidático - constitui as principais ações operacionais do Plano, devidamente articulados à revisão da política curricular, para garantir qualidade e continuidade no processo de implementação.
4) Gestão democrática e mecanismos de participação social – reflete a necessidade de fortalecer processos, instâncias e mecanismos de controle e participação social, para a implantação das Leis 10639/03 e 11645/08. O pressuposto é que tal participação é ponto fundamental para o aprimoramento das políticas e concretização como política de Estado.
5) Avaliação e Monitoramento – aponta para a construção de indicadores que permitam o monitoramento da implementação das Leis 10639/03 e 11645/08 pela União, estados, DF e municípios, e que contribuam para a avaliação e o aprimoramento das políticas públicas de enfrentamento da desigualdade racial na educação.
6) Condições institucionais – indica os mecanismos institucionais e rubricas orçamentárias necessárias para que a Lei seja implementada. Reafirma a necessidade da criação de setores específicos para a temática etnicorracial e diversidade nas secretarias estaduais e municipais de educação.
Para a coordenadora, “o momento em que vivemos vem muito da reflexão promovida pelo Plano da 10.639. Afinal, o que significa implementar esta lei? Quais são os elementos que a caracterizam? Temos que ter como horizonte o debate sobre qualidade educacional, combater desigualdades é premissa para a garantia do direito humano à educação de qualidade. Para isso, não podemos esquecer da demanda do financiamento, além do que precisamos pensar e incluir nossas metas no Plano Nacional de Educação”.
Em janeiro deste ano, completou dez anos a promulgação da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de História da África, cultura africana e afro-brasileira no currículo da educação básica. O caput dessa lei altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Cinco anos depois, a lei foi modificada e se transformou na Lei 11.645/08, incluindo a temática indígena.
A Lei 10.639/03 foi a primeira assinada pelo presidente Lula, logo após a sua primeira eleição. Isso tem um significado simbólico: as mudanças prometidas com a chegada de Lula e do PT ao governo se iniciaram com uma medida que era produto da reivindicação do movimento negro.
Dez anos se passaram, e o cenário não é animador. Eis o que se percebe em relação à aplicação dessa legislação:
a) Nos cursos superiores voltados para a licenciatura e de pedagogia (portanto responsáveis pela formação de professores do ensino básico), há resistência em implantar esses conteúdos nos seus currículos. Observa-se essa dificuldade em maior grau nas grandes universidades, como a USP. Revela-se aí o caráter eurocêntrico e racista hegemônico no pensamento acadêmico. O eurocentrismo aparece com força nas áreas de História, Literatura e Artes. Professores e pesquisadores que se aventuram em refletir e produzir cientificamente nestes campos por fora da hegemonia europeizante são poucos e, costumeiramente, marginalizados. Consequência disso: poucos profissionais da educação formados para dar conta das exigências da legislação e também a dificuldade de se criar uma massa intelectual crítica para pensar esses temas.
b) O sucateamento do ensino público no qual se concentra a maior parte do corpo docente mais engajado politicamente coloca, muitas vezes, essa discussão fora das prioridades da agenda política do movimento. Condição de trabalho, salários defasados, falta de material de apoio, estrutura precária, violência, entre outros, acabam ganhando prioridade nos movimentos sociais do campo da Educação. Em geral, a luta pela Lei 10.639 acaba se restringindo a alguns docentes que têm vinculações com o movimento antirracista.
c) O diagnóstico (correto) de que a dificuldade de aplicação da lei se deve, entre outras coisas, à ausência da formação do professor para esse tema, mobilizou várias organizações e até mesmo projetos empresariais tocados pelos militantes antirracistas que propõem “cursos de qualificação e formação” dos mais variados tipos e cargas horárias. Assim, o atendimento a uma demanda garantida em lei fica na dependência de iniciativas e do voluntarismo de militantes, desobrigando o poder público. Sintomático que em vários planos de Educação em nível municipal e estadual – e até mesmo a primeira versão do Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação (PNDE), que distribuiu verbas federais para municípios melhorarem suas estruturas educacionais – não se colocam ações necessárias dos poderes públicos para a aplicação da lei.
A forma como ela vem sendo tratada – apenas como atendimento a uma demanda específica do movimento negro – é problemática. É importante observar que as Leis 10.639 e 11.645 alteram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e, portanto, representam modificações na normatividade da Educação nacional. Essa alteração não se resume apenas a ser mais um mecanismo para combater a intolerância no ambiente escolar, mas visa, sim, a formar futuros cidadãos com uma consciência de que a sociedade brasileira é multiétnica, culturalmente diversa e que foi formada sob a exploração brutal de africanos escravizados e a destruição de experiências societárias originárias (indígenas) e civilizatórias (dos povos africanos).
Por essa razão, os conteúdos da lei valem tanto para as escolas públicas de bairros periféricos, onde há grande presença de alunos negros e negras, como também em escolas particulares de elite. Para tanto, é necessário redirecionar as energias do movimento antirracista para que as políticas educacionais, tocadas pelos órgãos públicos, façam cumprir a lei e atendam a todas as demandas necessárias para tanto. Somente o voluntarismo de educadores negros e negras, por mais louvável que seja, não será suficiente para tamanha tarefa.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm; http://educador.brasilescola.com/estrategias-ensino/lei-10639-03-ensino-historia-cultura-afro-brasileira-africana.htm; http://portal.mec.gov.br/index.php?id=9403&option=com_content&task=view; http://www.acordacultura.org.br/artigos/29102013/um-breve-balanco-dos-dez-anos-da-lei-1063903; http://projeto.unisinos.br/rla/index.php/rla/article/viewFile/205/159; http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/?p=1644. Acesso em: 17/08/2015.
Imagem disponível em: http://desacato.info/brasil/a-lei-torna-obrigatorio-o-ensino-da-historia-africana-afro-brasileira-e-indigena/. Acesso em: 17/08/2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário