AVALIAÇÃO NA ALFABETIZAÇÃO
Como vimos no texto anterior, até meados
da década de 1980, as práticas de alfabetização se baseavam em métodos considerados
hoje como “tradicionais”, que tornavam
artificiais as práticas escolares da leitura e
da escrita. Liam-se e escreviam-se palavras,
frases e textos “cartilhados” (considerados
pseudo textos) com o objetivo de aprender
“o código” alfabético. Atreladas a essas prá-
ticas de alfabetização desenvolvidas na 1º
série do Ensino Fundamental observávamos
a realização de práticas de avaliação nomeadas
hoje como tradicionais, cuja ênfase era
na medição/mensuração das aprendizagens
dos alunos e na classificação deles como aptos
ou não aptos para progredir no ensino.
Antes de iniciar o processo formal de alfabetização,
era preciso avaliar se os alunos
apresentavam a “prontidão” necessária para
tal processo, relacionada ao desenvolvimento
de habilidades “psiconeurológicas” ou
“perceptivo-motoras” (coordenação motora,
discriminação auditiva e visual, etc.).
Com a elevação do índice de repetência na
1ª série do Ensino Fundamental da escola
pública, vimos surgir programas de Educa-
ção Compensatória que tinham o objetivo
de preparar os alunos, na Educação Infantil
(denominada de pré-escola na época),
Eliana Borges Correia de Albuquerque
para o início do processo de alfabetização,
compensando as supostas carências culturais,
deficiências linguísticas e defasagens
afetivas que esses alunos – provenientes das
camadas populares – apresentavam (KRAMER,
2006).
Considerava-se, naquele contexto, que as
crianças que ingressavam no Ensino Fundamental
não possuíam conhecimentos sobre
a língua e, ao mesmo tempo, julgava-se
necessário que todas elas tivessem desenvolvido
uma maturidade para aprender a ler
e escrever relacionadas com as habilidades
anteriormente mencionadas. Uma vez diagnosticado
que elas estavam “aptas” para iniciar
esse processo, cabia ao professor, que
seguia um determinado método, apresentar
as unidades sonoras (sílaba, fonema) em
uma sequência pré-estabelecida, unidades
estas que deveriam ser memorizadas pelos
alunos. Como abordado por Albuquerque e
Morais (2006, p. 129),
“Os diferentes métodos controlavam
e garantiam a aprendizagem
quando existia prontidão.
O controle era feito a partir da
apresentação das unidades que deveriam ser memorizadas – letras/fonemas/padrões
silábicos,
no caso dos métodos sintéticos,
ou textos/frases com um repertório
de palavras que deveriam
ser memorizadas, no caso dos
métodos analíticos – sempre
com base em uma sequência a
ser seguida. O aluno só poderia
ser apresentado a novas unidades
uma vez que tivesse memorizado
as anteriores. “
Nessa prática de ensino da leitura e da
escrita, a avaliação era fundamental para
o bom andamento do processo. Avaliava-
-se se os alunos estavam aprendendo
o código alfabético na perspectiva da
memorização das unidades apresentadas/
ensinadas pelo professor e presentes no
livro didático utilizado. O objetivo de tal
avaliação era o de medir e classificar a
aprendizagem dos alunos para determinar
seu prosseguimento nos estudos, tanto no
que se refere à sequência de apresentação
das lições/unidades ao longo do ano, como
à passagem para a 2ª série. O propósito
classificatório e seletivo de tal prática de
avaliação evidencia-se nos altos índices de
reprovação no final da 1ª série.
Ainda em relação a tais práticas de alfabetização
e avaliação, presentes na memória
de muitos de nós, avaliava-se por meio
de atividades que exigiam a leitura e a
escrita das letras, sílabas, palavras, frases
e textos trabalhados. Era preciso garantir
que os alunos dessem as respostas corretas,
uma vez que o erro precisava ser
evitado, pois era indicador de que o estudante
não havia aprendido/memorizado o
que fora ensinado.
Como abordado no primeiro texto deste
caderno, tal prática de avaliação era excludente,
pois desconsiderava o sujeito em
suas singularidades e não considerava suas
experiências/conhecimentos prévios, assim
como seus percursos de aprendizagem. Os
educandos, ao final do ano, eram apenas rotulados
em aptos ou não aptos a prosseguir
os estudos, estando tal aptidão relacionada
ao desempenho deles nas tarefas/provas
escolares e a suas capacidades de emitirem
as respostas corretas.
A partir da década de 1980, o fracasso escolar
que até então era visto como um problema
de deficiência ou carência cognitiva e
cultural dos alunos do meio popular, passou
a ser relacionado, à luz das teorias construtivistas
e sociointeracionistas de ensino
(em geral) e da língua (em particular), às
práticas tradicionais de ensino da leitura
e da escrita. No campo da alfabetização,
como vimos anteriormente, os trabalhos
de Emília Ferreiro e Ana Teberosky vão dar
um novo sentido aos erros ou escritas não
convencionais dos alunos, que passaram a
ser vistos como reveladores de suas hipóteses
de escrita.
Como abordado por Albuquerque e Morais (2006), diferentemente de uma prática tradicional
de alfabetização e avaliação, na perspectiva construtivista e interacionista de ensino,
e também na perspectiva inclusivista, avaliam-se as conquistas e as possibilidades dos estudantes
ao longo do ano escolar, e não apenas os impedimentos e as condutas finais e acabadas.
O erro, que antes precisava a todo custo ser evitado, já que era o principal sintoma de
exclusão escolar, passa a ser considerado como indicador da forma como os alunos pensam
sobre determinado conhecimento. Os objetivos das avaliações não se relacionam mais à
simples medição de conhecimentos para determinar se estão aptos a progredir nos estudos,
mas à identificação dos conhecimentos que os estudantes já desenvolveram, com o objetivo
de fazê-los avançar em suas aprendizagens.
Nessa perspectiva, avalia-se tanto os alunos,
para mapear seus percursos de aprendizagem,
como as práticas pedagógicas
com o objetivo de analisar as estratégias de
ensino adotadas de modo a relacioná-las
às possibilidades dos educandos. Como
abordado por Ferreira e Leal (2006), “é
papel de a escola ensinar, favorecendo, por
meio de diferentes estratégias, oportunidades
de aprendizagem, e avaliar se tais
estratégias estão sendo de fato adequadas”
(p. 16).
Na unidade 2 o
planejamento do
ensino é discutido,
a partir do
pressuposto de que
é a avaliação que
fornece informa-
ções sobre quais
são as prioridades a
serem consideradas
no planejamento e
sobre como agrupar
os estudantes em
sala de aula.
Quanto ao registro dessas avaliações, pode-
-se também propor diversificação quanto
aos instrumentos: cadernos de registros
dos estudantes; os portfólios com a coletânea
de atividades/registros realizados
pelas crianças ao longo de um determinado
período que permitem que tanto o professor
como os próprios alunos acompanhem as
dificuldades e os avanços em uma determinada
matéria; a ficha de acompanhamento
individual (de cada aluno) e coletiva (da
classe).
Para isso, é
essencial a realização de uma avaliação diagnóstica
no início do ano, para que o perfil da
turma seja traçado e a professora possa, juntamente
com a equipe, pensar nas estratégias de ação relacionadas à alfabetização. Tal
avaliação também acontece ao longo do ano
e, com base nela e nas atividades desenvolvidas
diariamente, a docente preenche um
quadro de registro de cada aluno, de modo
a poder acompanhar os avanços de cada um
nas diferentes áreas. Por meio de tal quadro
é possível, também, analisar o baixo rendimento
dos alunos de modo a pensar nas
soluções para que efetivamente eles aprendam.
Pode-se, por exemplo, realizar mudanças na organização de estratégias didáticas,
com a possibilidade de acompanhamento
individual do aluno pelo professor em
alguns momentos e por outro profissional da
escola (coordenador pedagógico, estagiário,
etc.), em outros momentos.
Por fim, é importante considerar que as
mudanças nas práticas de alfabetização e
avaliação foram acompanhadas também
de mudanças na organização de alguns
sistemas de ensino em regimes ciclados. No
Brasil, foi a partir da década de 1980, como
forma de diminuir o gargalo na 1ª série do
Ensino Fundamental, que a organização
curricular em ciclos passou a ser instituída.
Enfim, na perspectiva da inclusão que
norteia a proposta da organização escolar
em ciclos é fundamental que os sistemas de
ensino (seriados ou ciclados) estabeleçam o
que deve ser ensinado em cada ano escolar
e construam estratégias didáticas para que
os estudantes progridam em seus conhecimentos,
respeitando-se a heterogeneidade
do grupo. É necessário pensar também em
formas de acompanhamento daqueles que
não alcançaram as metas pretendidas para
o ano e que vão prosseguir em seus estudos,
de modo a garantir que não sejam excluídos
do grupo. Algumas escolas e redes de ensino
têm adotado estratégias relacionadas ao desenvolvimento de projetos de acompanhamento
aos alunos com defasagem de
aprendizagem, projetos esses que são realizados
por parte de um grupo de professores
ou estagiários em determinados horários da
semana ou no contra turno.
Disponível em: http://pacto.mec.gov.br/images/pdf/Formacao/Ano_1_Unidade_1_MIOLO.pdf. Acesso em: 17/05/2015.
Imagem disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/ajudar-alfabetizacao-seu-filho-470463.shtml. Acesso em: 17/05/2015.
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