ALFABETIZAÇÃO SEM RECEITA E RECEITA DA ALFABETIZAÇÃO
Receita da alfabetização:
Pegue uma criança de 6 anos e lave-a bem. Enxágue-a com cuidado, enrole-a num uniforme e coloque-a sentadinha na sala de aula. Nas oito primeiras semanas, alimente-a com exercícios de prontidão. Na 9ª semana ponha uma cartilha nas mãos das crianças. Tome cuidado para que ela não se contamine no contato com livros, jornais, revistas e outros materiais impressos.
Abra a boca da criança e faça com que engula as vogais. Quando tiver digerido as vogais, mande-a mastigar, uma a uma, as palavras da cartilha. Cada palavra deve ser mastigada, no mínimo, 60 vezes, como na alimentação macrobiótica. Se houver dificuldade para engolir, separe as palavras em pedacinhos.
Mantenha a criança em banho-maria durante quatro meses, fazendo exercícios de cópia. Em seguida, faça com que a criança engula algumas frases inteiras. Mexa com cuidado para não embolar.
Ao fim do mês, espete a criança com um palito, ou melhor, aplique uma prova de leitura e verifique se ela desenvolve pelo menos 70% das palavras e frases engolidas. Se isso acontecer, considere a criança alfabetizada. Enrole-a num bonito papel de presente e despache-a para a série seguinte.
Se a criança não devolver o que lhe foi dado para engolir, recomece a receita desde o início, isto é, volte aos exercícios de prontidão. Repita a receita tantas vezes quantas forem necessárias. Ao fim de três anos, embrulhe a criança em papel pardo e coloque um rótulo: aluno renitente.
Alfabetização sem receita:
Pegue uma criança de 6 anos, no estado em que estiver, suja ou limpa e coloque-a numa sala de aula onde existem muitas coisas escritas para olhar e examinar. Servem jornais, livros, revistas, embalagens, propaganda eleitoral, latas vazias, caixas de sabão, sacolas de supermercado, enfim, vários tipos de materiais que estiverem ao seu alcance. Convide as crianças para brincarem de ler, adivinhando o que está escrito: você vai ver que elas já sabem muitas coisas.
Converse com a turma, troque ideias sobre quem são vocês e as coisas de que gostam e não gostam. Escreva no quadro algumas das frases que foram ditas e leia em voz alta. Peça às crianças que olhem os escritos que existem por aí, nas lojas, nos ônibus, nas ruas, na televisão. Escreva algumas dessas coisas no quadro e leia-as para a turma.
Deixe as crianças cortarem letras, palavras e frases dos jornais velhos e não esqueça de mandá-las limpar o chão depois, para não criar problema na escola.
Todos os dias, leia em voz alta alguma coisa interessante: historinha, poesia, notícia de jornal, anedota, letra de música, adivinhações.
Mostre alguns tipos de coisas escritas que elas talvez não conheçam: um catálogo telefônico, um dicionário, um telegrama, uma carta, um bilhete, um livro de receitas de cozinha.
Desafie as crianças a pensarem sobre a escrita e pense você também. Quando elas estiverem escrevendo, deixe-as perguntar ou pedir ajuda ao colega. Não se apavore se uma criança estiver comendo letra: até hoje não houve caso de indigestão alfabética. Acalme a diretora se ela estiver alarmada.
Invente sua própria cartilha. Use sua capacidade de observação para verificar o que funciona, qual o modo de ensinar que dá certo na sua turma. Leia e estude você também.
Disponível em: Boletim informativo, n. 1, da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, jul., 1989 e no Boletim Carpe Diem, Centro de aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação, Prefeitura de Belo Horizonte, ano IV, n. 4, jan.-fev., 1994. In: CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e letrar: um diálogo entre a teoria e a prática. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
Imagem disponível em: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.portalaltos.com.br/novo/images/receitas/receitas.jpg&imgrefurl=http://www.portalaltos.com.br/novo/images/receitas/&h=316&w=350&tbnid=m8YECFpeDlfKxM:&zoom=1&docid=8wZRn4bwFt8ztM&ei=KzEYVZm5M5LbsASC34LoCg&tbm=isch&ved=0CFsQMygjMCM. Acesso em: 29/03/2015.
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