DEBATE SOBRE OS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO
As discussões em alfabetização foi se configurando em torno dos métodos de alfabetização ou “querela dos métodos”, como passou a ser
denominada. Em diferentes momentos históricos, diferentes sujeitos movidos
por diferentes urgências sociais e políticas, sempre alegando se basear
nas mais “modernas verdades científicas”, passaram a apresentar versões de
seu presente e de seu passado (recente), acusando de “antigos” e “tradicionais”
os métodos então utilizados e propondo em sua substituição “novos” e
“revolucionários” métodos (de alfabetização).
Em cada momento histórico, a mudança exigiu (e continua exigindo),
dos sujeitos promotores dessa querela, operações de diferenciação qualitativa,
mediante reconstituição sintética do passado (e, em particular, do
passado recente, sentido como presente, porque operante no nível das concretizações),
a fim de homogeneizá-lo e esvaziá-lo de qualidades e diferenças, identificando-o como portador do antigo — indesejável, decadente e
obstáculo ao progresso — , buscando definir o novo — melhor e mais desejável
— ora contra, ora independente em relação ao antigo, mas sempre e
inevitavelmente a partir dele.
Para viabilizar a mudança, torna-se, assim, necessário produzir uma
versão do passado e desqualificá-lo, como se se tratasse de uma herança
incômoda, que impõe resistências à fundação do novo, especialmente quando
a filiação decorrente (embora, muitas vezes, não assumida) da tradição
atuante no presente ameaça fazer voltarem à cena os mesmos personagens
do passado, que seus herdeiros desejam esquecer, rever ou aprimorar.
Como decorrência dessas disputas, em cada momento histórico, considero
que se funda uma “nova tradição”, centrada em um sentido que se
tornou hegemônico, porque oficial, mas não único, nem homogêneo, nem tampouco isento de resistências, mediadas em especial pela velada utilização de antigos métodos e práticas alfabetizadoras, por meio da utilização de
cartilhas, esse privilegiado e perene instrumento de concretização dos métodos
de alfabetização. Como já explicitei em outras publicações, em minha atuação como
professora e pesquisadora venho apresentando e defendendo propostas para
a alfabetização (que considero ser a etapa inicial do ensino da língua portuguesa),
centradas no interacionismo lingüístico, não em métodos (sintéticos
ou analíticos) de alfabetização, nem na perspectiva construtivista. contrariamente ao que se possa deduzir com raciocínios simplistas, devo
advertir que o foco de meus questionamentos neste artigo incide, não apenas
no método fônico em si, como se buscasse alimentar a “querela dos métodos”,
mas na proposta de adoção oficial desse método defendida pelos autores
de Alfabetização: método fônico. Meus questionamentos não podem,
ainda, ser revertidos automaticamente em argumentos de defesa, nem do
construtivismo, nem desse ou de outro dentre os métodos de alfabetização,
como se disputasse um lugar como querelante. Assim também meu objetivo
de compreender historicamente essa proposta não significa a ela aplicar,
benevolente e tolerantemente, o refrão religioso-popular “tudo compreender
é tudo perdoar”; assim como não significa me omitir, ou buscar silenciar o
debate, com algum tipo de palavra final, como quem se coloca acima das
disputas, fingindo ignorá-las. E porque, do modo
como vem sendo apresentada e defendida, não se trata de disputa ou “guerra
de alfabetizadores”, nem de discussão promovida por esses professores ou
da qual participem como interlocutores. Trata-se de disputa pela hegemonia
de projetos políticos, promovida pelos autores do livro em questão, patrocinada
por agências de fomento à pesquisa, replicada por alguns de seus pares e/ou acólitos na academia e por seus divulgadores na mídia, cujos destinatários privilegiados são as autoridades educacionais brasileiras, que, no plano
político, devem ser persuadidas, a qualquer custo (incluindo lobbies), a adotar
oficialmente a proposta visando à sua aplicação por parte dos alfabetizadores. Isso não significa, porém, que se deva ensinar a ler e escrever “de
qualquer jeito”. Por ser um processo escolarizado, sistemático e intencional,
esse ensino (como o de todas as matérias escolares) não pode prescindir de
método, ou seja, de uma seqüência de passos planejados e organizados para
o professor ensinar e as crianças conseguirem aprender a ler e escrever. Se a
questão dos métodos é importante, não é, porém, a única, nem a mais importante,
e não pode ser tratada com efeitos pirotécnicos, desviando a atenção
do que é essencial: o fato de que um método de ensino é apenas um dos aspectos
de uma teoria educacional relacionada com uma teoria do conhecimento
e com um projeto político e social. Trata-se, assim, de pensar mais
seriamente em todos os aspectos envolvidos nesse processo complexo e
multifacetado que é a alfabetização e nesse que continua sendo nosso maior desafio: a busca de soluções rigorosas, conseqüentes e relativamente duradouras
para se enfrentarem as dificuldades de nossas crianças em aprender a
ler e escrever e de nossos professores em ensiná-las.
Disponível em: http://www.revistas.usp.br/reaa/article/view/11509/13277. Acesso em: 13/03/2015.
Imagem disponível em: http://anna-educacao.blogspot.com.br/2009/10/alfabetizacao-metodos.html. Acesso em: 13/03/2015.
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