sexta-feira, 13 de março de 2015

DEBATE SOBRE OS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO


As discussões em alfabetização foi se configurando em torno dos métodos de alfabetização ou “querela dos métodos”, como passou a ser denominada. Em diferentes momentos históricos, diferentes sujeitos movidos por diferentes urgências sociais e políticas, sempre alegando se basear nas mais “modernas verdades científicas”, passaram a apresentar versões de seu presente e de seu passado (recente), acusando de “antigos” e “tradicionais” os métodos então utilizados e propondo em sua substituição “novos” e “revolucionários” métodos (de alfabetização). Em cada momento histórico, a mudança exigiu (e continua exigindo), dos sujeitos promotores dessa querela, operações de diferenciação qualitativa, mediante reconstituição sintética do passado (e, em particular, do passado recente, sentido como presente, porque operante no nível das concretizações), a fim de homogeneizá-lo e esvaziá-lo de qualidades e diferenças, identificando-o como portador do antigo — indesejável, decadente e obstáculo ao progresso — , buscando definir o novo — melhor e mais desejável — ora contra, ora independente em relação ao antigo, mas sempre e inevitavelmente a partir dele. Para viabilizar a mudança, torna-se, assim, necessário produzir uma versão do passado e desqualificá-lo, como se se tratasse de uma herança incômoda, que impõe resistências à fundação do novo, especialmente quando a filiação decorrente (embora, muitas vezes, não assumida) da tradição atuante no presente ameaça fazer voltarem à cena os mesmos personagens do passado, que seus herdeiros desejam esquecer, rever ou aprimorar. Como decorrência dessas disputas, em cada momento histórico, considero que se funda uma “nova tradição”, centrada em um sentido que se tornou hegemônico, porque oficial, mas não único, nem homogêneo, nem  tampouco isento de resistências, mediadas em especial pela velada utilização de antigos métodos e práticas alfabetizadoras, por meio da utilização de cartilhas, esse privilegiado e perene instrumento de concretização dos métodos de alfabetização. Como já explicitei em outras publicações, em minha atuação como professora e pesquisadora venho apresentando e defendendo propostas para a alfabetização (que considero ser a etapa inicial do ensino da língua portuguesa), centradas no interacionismo lingüístico, não em métodos (sintéticos ou analíticos) de alfabetização, nem na perspectiva construtivista. contrariamente ao que se possa deduzir com raciocínios simplistas, devo advertir que o foco de meus questionamentos neste artigo incide, não apenas no método fônico em si, como se buscasse alimentar a “querela dos métodos”, mas na proposta de adoção oficial desse método defendida pelos autores de Alfabetização: método fônico. Meus questionamentos não podem, ainda, ser revertidos automaticamente em argumentos de defesa, nem do construtivismo, nem desse ou de outro dentre os métodos de alfabetização, como se disputasse um lugar como querelante. Assim também meu objetivo de compreender historicamente essa proposta não significa a ela aplicar, benevolente e tolerantemente, o refrão religioso-popular “tudo compreender é tudo perdoar”; assim como não significa me omitir, ou buscar silenciar o debate, com algum tipo de palavra final, como quem se coloca acima das disputas, fingindo ignorá-las. E porque, do modo como vem sendo apresentada e defendida, não se trata de disputa ou “guerra de alfabetizadores”, nem de discussão promovida por esses professores ou da qual participem como interlocutores. Trata-se de disputa pela hegemonia de projetos políticos, promovida pelos autores do livro em questão, patrocinada por agências de fomento à pesquisa, replicada por alguns de seus pares e/ou acólitos na academia e por seus divulgadores na mídia, cujos destinatários privilegiados são as autoridades educacionais brasileiras, que, no plano político, devem ser persuadidas, a qualquer custo (incluindo lobbies), a adotar oficialmente a proposta visando à sua aplicação por parte dos alfabetizadores. Isso não significa, porém, que se deva ensinar a ler e escrever “de qualquer jeito”. Por ser um processo escolarizado, sistemático e intencional, esse ensino (como o de todas as matérias escolares) não pode prescindir de método, ou seja, de uma seqüência de passos planejados e organizados para o professor ensinar e as crianças conseguirem aprender a ler e escrever. Se a questão dos métodos é importante, não é, porém, a única, nem a mais importante, e não pode ser tratada com efeitos pirotécnicos, desviando a atenção do que é essencial: o fato de que um método de ensino é apenas um dos aspectos de uma teoria educacional relacionada com uma teoria do conhecimento e com um projeto político e social. Trata-se, assim, de pensar mais seriamente em todos os aspectos envolvidos nesse processo complexo e multifacetado que é a alfabetização e nesse que continua sendo nosso maior desafio: a busca de soluções rigorosas, conseqüentes e relativamente duradouras para se enfrentarem as dificuldades de nossas crianças em aprender a ler e escrever e de nossos professores em ensiná-las.

Disponível em: http://www.revistas.usp.br/reaa/article/view/11509/13277. Acesso em: 13/03/2015.

Imagem disponível em: http://anna-educacao.blogspot.com.br/2009/10/alfabetizacao-metodos.html. Acesso em: 13/03/2015.

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