OS SABERES DAS CRIANÇAS COMO PONTO DE PARTIDA PARA O TRABALHO PEDAGÓGICO
Dentre as disciplinas escolares, a matemática é uma das mais antigas, sendo
ensinada em praticamente todos os lugares do mundo. A aprendizagem matemática
não acontece exclusivamente na escola, com as crianças vendo os professores
escrevendo definições e exercícios na lousa ou mandando fazer tarefas dos livros
didáticos. Aprende-se matemática no dia a dia, observando as coisas ao redor e
colocando-as em relação. Aprende-se matemática também nas relações sociais,
trocando ideias com os colegas, observando as atividades dos pais em casa ou
no trabalho, indo à escola ou passeando, observando as coisas da natureza e do
lugar em que se vive na cidade, no campo ou na praia, tanto em atividades de
lazer quanto na prática de esportes, nas brincadeiras e jogos, lendo um livro de
histórias ou ainda prestando atenção no noticiário que se ouve no rádio ou se vê
passar na televisão.
Apesar dessas relações matemáticas poderem ser observadas em toda parte,
para que possam ganhar significados e serem percebidas e exploradas para que
promovam uma aprendizagem significativa, deve existir um indivíduo pensando,
observando, relacionando, fazendo perguntas, dando vazão a suas curiosidades e
descobertas. Esse processo de envolvimento com o mundo pode se tornar ainda
mais eficaz se as crianças puderem contar com um adulto por perto, interagindo
e ajudando-as a organizar seus conhecimentos e descobertas, sendo esse um dos
papéis mais importantes dos professores.
Em geral, o dia a dia dos alunos é rico de situações de natureza matemática, com
grande potencial de provocar o pensamento e o raciocínio. É comum ver crianças
perguntando: “como eu faço?”, “como funciona?”, “por que é assim?”, “por que
funciona?”; além de fazerem outras perguntas, aparentemente ingênuas, como:
“por que a borda dos copos é redonda?” ou mais complexas como “qual é o último
número?”.
Aproveitar as curiosidades dos alunos e explorar situações e contextos
problematizáveis é uma das tarefas da didática da matemática, partindo da sua
cultura e das histórias de vida, das experiências e conhecimentos prévios das crianças.
Problematizar e organizar para que pensem matematicamente frente a problemas e
ao mundo que as cerca é mais do que ensiná-las como fazer as contas ou memorizar
nome de figuras. Matemática é mais do que continhas e nomenclaturas! Simples situações de contagem podem se constituir em contextos ricos em que as crianças
raciocinam e argumentam. Veja o caso da figura abaixo. Esta imagem é um exemplo
de cenário problematizável. A pergunta em geral proposta é: “quantas crianças
podem estar atrás da cerca?”.
À pergunta fechada os alunos respondem por contagem, contando as mãozinhas
levantadas:
– uma, duas, três, quatro ...
Para dar a resposta:
– ... quinze, dezesseis, dezessete.
Trata-se de um problema simples, que pode se constituir numa situação rica se o
processo de argumentação for valorizado como parte dos objetivos didáticos. Num
ambiente em que a discussão é valorizada, é possível que alguma criança diga “mas
e se ... ?”. Por exemplo:
– E se algumas crianças levantaram duas mãos?
Neste caso, o número de crianças atrás da cerca pode variar de dezesseis, quando
uma única criança está com os dois braços levantados, até um número mínimo que
é 9, situação em que 8 crianças estão com as duas mãos levantadas e uma com uma
só mão para o alto.
As crianças são capazes de produzir respostas e argumentos pertinentes mesmo
sem saber que 8 x 2 + 1 = 17 (Aliás, nesse contexto não acontece que escrevam
que 8 x 2 + 1 = 24, o que além de erro matemático seria um erro na descrição da
situação vivenciada por eles).
O que se extrai desse tipo de situação é que as crianças podem ir mais longe, e
em muitos casos, podem estar pensando para além da pergunta do professor ou do
Carlos Cesar Salvadori Calcular 3 x 25 usando uma calculadora é uma tarefa que não exige muito
raciocínio, bastando, para isso, apertar as teclas 3 x 2 5 = em
sequência. As crianças podem chegar ao resultado 75 se forem instruídas a efetuar
esse procedimento, mesmo sem ter que pensar nas relações numéricas e no contexto
do problema, basta que leiam o número que aparece no visor após a sequência de
botões apertados.
Se, por outro lado, problematizamos ou colocamos restrições no enunciado
da tarefa, podemos criar obstáculos que podem ser disparadores de autênticos e
variados raciocínios. Isso pode ser feito, por exemplo, fazendo perguntas sobre a
natureza da resposta (sem que usem a calculadora), perguntando se o resultado
esperado é maior ou menor que 100, maior ou menor que 50. Nesse caso a ação
e a atenção da criança são orientadas para o cálculo mental e a estimativa, duas
importantes modalidades de cálculo, fundamentais para o desenvolvimento das
competências de cálculo.
Se colocamos alguns obstáculos do tipo “não pode usar
a tecla de vezes” ou “não pode usar a tecla 5” por estarem quebradas, ainda assim
a criança pode chegar ao resultado correto se o professor conduzir a atividade
valorizando as interações e problematizando.
Há vários estudos indicando que os alunos podem resolver problemas mais
facilmente quando têm oportunidades de interagir e dialogar entre si, fazendo
tentativas, conversando sobre a natureza do resultado, socializando suas descobertas
e essas interações são fundamentais.
Sabemos que as crianças têm seu potencial de aprendizagem melhor aproveitado
quando têm oportunidade de trabalhar em pequenos grupos colaborativos,
discutindo e explicando umas às outras o porquê de suas estratégias e de suas
descobertas. Esse processo de troca entre os alunos é importante para que pensem
sobre uma tarefa, um problema matemático, uma ideia ou procedimento de
múltiplas perspectivas, o que contribui para o desenvolvimento de seus processos
de argumentação e comunicação matemática.
livro. Se encorajadas, as crianças são capazes de produzir explicações e raciocínios
plausíveis, indícios de pensamento matemático.
Também em simples atividades de cálculo os alunos podem ir além das contas
e mostrar como raciocinam, como argumentam e como se comunicam. Pense no
exemplo de um problema comum, desses que aparecem em qualquer livro didático,
que os alunos terão que resolver usando uma calculadora:
“Se uma camiseta custa 25 reais, quanto custam 3 camisetas?”.
No caso proposto, o uso de uma calculadora para obter o resultado de 3 x 25
é uma tarefa que os alunos podem realizar de modo mecânico, porém, estimar o
resultado exige dos alunos colocar algumas coisas em relação como, por exemplo,
ter atenção sobre ordem de grandeza de determinados fatos numéricos e, se os
alunos tiverem familiaridade com dinheiro, podem resolver o problema associando-o
a situações reais.
A proposta de calcular 3 x 25 numa calculadora sem usar a tecla x desperta a
atenção dos alunos para uma das ideias da multiplicação – a soma reiterada (soma
de parcelas iguais). E a atividade de calcular sem usar a tecla 3 pode levá-los a
perceber propriedades aritméticas importantes, como se pode ver num diálogo
observado em sala de aula.
O procedimento aqui descrito por uma professora atenta mostra vários
aspectos importantes da atividade matemática em sala de aula.
– 3 x 25.
– a tecla do 3 está quebrada, não pode usar.
– O que dá para comprar com 25 reais?
– Uma camiseta, está escrito no problema.
– Eu sei fazer conta com moedas, se juntar duas moedas de 25 centavos dá
50 centavos.
– O dobro de 25 é 50.
– Então é só somar 25 com 50.
– 50 centavos mais 10 centavos dá 60 centavos, com mais 10 dá ...
– 5 + 2 = 7, então cinquenta mais vinte dá setenta.
– 50 + 20 = 70, com mais 5 dá 75.
– Já sei é só calcular o dobro de 25 e somar mais 25.
– 2 x 25 = 50 e 50 + 25 = 75.
– As três camisetas vão custar 75 reais.
O procedimento aqui descrito por uma professora atenta mostra vários
aspectos importantes da atividade matemática em sala de aula. A atenção a esses
aspectos podem ajudar os professores a melhor explorá-los e levar os alunos à
aprendizagem.
• Crianças podem não ter experiência com quantidades da ordem de 25 reais,
mas sua experiência com quantidades de menor valor, como 25 centavos,
pode ajudá-las a resolver problemas pela semelhança e a natureza dos
números envolvidos.
• Nesse caso, é provável que a familiaridade com o manuseio de quantias
menores, como as moedas, esteja relacionado com situações e problemas
reais vividos pelos alunos em um contexto extraescolar, como, por exemplo,
quando vão comprar pão ou um refrigerante ou quando ganham algumas
moedas de uma pessoa da família. Essa atividade matemática que ocorre fora
da escola não deve ser desperdiçada e sim explorada na escola, pelo potencial
de significatividade que tem para o aluno.
• A estimativa e o cálculo mental são apoios importantes para a realização
de cálculos mesmo em uma situação com calculadora. A estimativa fornece
pontos de referência para os alunos avaliarem o resultado de uma operação;
o cálculo mental envolve a utilização de regularidades e propriedades dos
números.
• A tentativa e erro é uma estratégia legítima e, numa interação entre pares ou
grupos pequenos, os alunos argumentam e corrigem uns aos outros.
Essas e outras situações são propostas aprofundadas, neste material, na Unidade
8, cujo foco é discutir e explorar situações-problema em contextos significativos
para os alunos a fim de levá-los a aprender conceitos e procedimentos matemáticos,
produzindo significados compatíveis com o que se espera do desenvolvimento de
alunos da mesma faixa etária. No estudo dessas possibilidades didáticas veremos
que o erro faz parte do processo de aprendizagem: mais que corrigido, ele deve ser
problematizado mediante estratégias e metodologias adequadas, em um ambiente
que valorize as interações.
Disponível em: http://www.educacao.rs.gov.br/dados/pnaic_caderno_de_apresentacao.pdf. Acesso em: 11/09/2015.
Imagens disponíveis em: http://primeirospassosbh.com.br/plus/modulos/conteudo/?tac=maternal; http://www.colegiobatista.com.br/cbb/index.php/ensino-fundamental.html; http://colegioexponencial.educacional.net/matriculas-2013/educacao-infantil.asp. Acesso em: 11/09/2015.
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