sexta-feira, 11 de setembro de 2015

OS SABERES DAS CRIANÇAS COMO PONTO DE PARTIDA PARA O TRABALHO PEDAGÓGICO

   

Dentre as disciplinas escolares, a matemática é uma das mais antigas, sendo ensinada em praticamente todos os lugares do mundo. A aprendizagem matemática não acontece exclusivamente na escola, com as crianças vendo os professores escrevendo definições e exercícios na lousa ou mandando fazer tarefas dos livros didáticos. Aprende-se matemática no dia a dia, observando as coisas ao redor e colocando-as em relação. Aprende-se matemática também nas relações sociais, trocando ideias com os colegas, observando as atividades dos pais em casa ou no trabalho, indo à escola ou passeando, observando as coisas da natureza e do lugar em que se vive na cidade, no campo ou na praia, tanto em atividades de lazer quanto na prática de esportes, nas brincadeiras e jogos, lendo um livro de histórias ou ainda prestando atenção no noticiário que se ouve no rádio ou se vê passar na televisão. 

Apesar dessas relações matemáticas poderem ser observadas em toda parte, para que possam ganhar significados e serem percebidas e exploradas para que promovam uma aprendizagem significativa, deve existir um indivíduo pensando, observando, relacionando, fazendo perguntas, dando vazão a suas curiosidades e descobertas. Esse processo de envolvimento com o mundo pode se tornar ainda mais eficaz se as crianças puderem contar com um adulto por perto, interagindo e ajudando-as a organizar seus conhecimentos e descobertas, sendo esse um dos papéis mais importantes dos professores. 

Em geral, o dia a dia dos alunos é rico de situações de natureza matemática, com grande potencial de provocar o pensamento e o raciocínio. É comum ver crianças perguntando: “como eu faço?”, “como funciona?”, “por que é assim?”, “por que funciona?”; além de fazerem outras perguntas, aparentemente ingênuas, como: “por que a borda dos copos é redonda?” ou mais complexas como “qual é o último número?”. 

Aproveitar as curiosidades dos alunos e explorar situações e contextos problematizáveis é uma das tarefas da didática da matemática, partindo da sua cultura e das histórias de vida, das experiências e conhecimentos prévios das crianças. Problematizar e organizar para que pensem matematicamente frente a problemas e ao mundo que as cerca é mais do que ensiná-las como fazer as contas ou memorizar nome de figuras. Matemática é mais do que continhas e nomenclaturas! Simples situações de contagem podem se constituir em contextos ricos em que as crianças raciocinam e argumentam. Veja o caso da figura abaixo. Esta imagem é um exemplo de cenário problematizável. A pergunta em geral proposta é: “quantas crianças podem estar atrás da cerca?”. 

À pergunta fechada os alunos respondem por contagem, contando as mãozinhas levantadas: 

– uma, duas, três, quatro ... Para dar a resposta: 

– ... quinze, dezesseis, dezessete. 

Trata-se de um problema simples, que pode se constituir numa situação rica se o processo de argumentação for valorizado como parte dos objetivos didáticos. Num ambiente em que a discussão é valorizada, é possível que alguma criança diga “mas e se ... ?”. Por exemplo: 

– E se algumas crianças levantaram duas mãos? 

Neste caso, o número de crianças atrás da cerca pode variar de dezesseis, quando uma única criança está com os dois braços levantados, até um número mínimo que é 9, situação em que 8 crianças estão com as duas mãos levantadas e uma com uma só mão para o alto. 

As crianças são capazes de produzir respostas e argumentos pertinentes mesmo sem saber que 8 x 2 + 1 = 17 (Aliás, nesse contexto não acontece que escrevam que 8 x 2 + 1 = 24, o que além de erro matemático seria um erro na descrição da situação vivenciada por eles). 

O que se extrai desse tipo de situação é que as crianças podem ir mais longe, e em muitos casos, podem estar pensando para além da pergunta do professor ou do Carlos Cesar Salvadori Calcular 3 x 25 usando uma calculadora é uma tarefa que não exige muito raciocínio, bastando, para isso, apertar as teclas 3 x 2 5 = em sequência. As crianças podem chegar ao resultado 75 se forem instruídas a efetuar esse procedimento, mesmo sem ter que pensar nas relações numéricas e no contexto do problema, basta que leiam o número que aparece no visor após a sequência de botões apertados. Se, por outro lado, problematizamos ou colocamos restrições no enunciado da tarefa, podemos criar obstáculos que podem ser disparadores de autênticos e variados raciocínios. Isso pode ser feito, por exemplo, fazendo perguntas sobre a natureza da resposta (sem que usem a calculadora), perguntando se o resultado esperado é maior ou menor que 100, maior ou menor que 50. Nesse caso a ação e a atenção da criança são orientadas para o cálculo mental e a estimativa, duas importantes modalidades de cálculo, fundamentais para o desenvolvimento das competências de cálculo.

Se colocamos alguns obstáculos do tipo “não pode usar a tecla de vezes” ou “não pode usar a tecla 5” por estarem quebradas, ainda assim a criança pode chegar ao resultado correto se o professor conduzir a atividade valorizando as interações e problematizando. Há vários estudos indicando que os alunos podem resolver problemas mais facilmente quando têm oportunidades de interagir e dialogar entre si, fazendo tentativas, conversando sobre a natureza do resultado, socializando suas descobertas e essas interações são fundamentais. 

Sabemos que as crianças têm seu potencial de aprendizagem melhor aproveitado quando têm oportunidade de trabalhar em pequenos grupos colaborativos, discutindo e explicando umas às outras o porquê de suas estratégias e de suas descobertas. Esse processo de troca entre os alunos é importante para que pensem sobre uma tarefa, um problema matemático, uma ideia ou procedimento de múltiplas perspectivas, o que contribui para o desenvolvimento de seus processos de argumentação e comunicação matemática. livro. Se encorajadas, as crianças são capazes de produzir explicações e raciocínios plausíveis, indícios de pensamento matemático. 

Também em simples atividades de cálculo os alunos podem ir além das contas e mostrar como raciocinam, como argumentam e como se comunicam. Pense no exemplo de um problema comum, desses que aparecem em qualquer livro didático, que os alunos terão que resolver usando uma calculadora: 

“Se uma camiseta custa 25 reais, quanto custam 3 camisetas?”. 

No caso proposto, o uso de uma calculadora para obter o resultado de 3 x 25 é uma tarefa que os alunos podem realizar de modo mecânico, porém, estimar o resultado exige dos alunos colocar algumas coisas em relação como, por exemplo, ter atenção sobre ordem de grandeza de determinados fatos numéricos e, se os alunos tiverem familiaridade com dinheiro, podem resolver o problema associando-o a situações reais. 

A proposta de calcular 3 x 25 numa calculadora sem usar a tecla x desperta a atenção dos alunos para uma das ideias da multiplicação – a soma reiterada (soma de parcelas iguais). E a atividade de calcular sem usar a tecla 3 pode levá-los a perceber propriedades aritméticas importantes, como se pode ver num diálogo observado em sala de aula. O procedimento aqui descrito por uma professora atenta mostra vários aspectos importantes da atividade matemática em sala de aula. 

– 3 x 25. 
– a tecla do 3 está quebrada, não pode usar. 
– O que dá para comprar com 25 reais? 
– Uma camiseta, está escrito no problema. 
– Eu sei fazer conta com moedas, se juntar duas moedas de 25 centavos dá 50 centavos.
– O dobro de 25 é 50. 
– Então é só somar 25 com 50. 
– 50 centavos mais 10 centavos dá 60 centavos, com mais 10 dá ... 
– 5 + 2 = 7, então cinquenta mais vinte dá setenta. 
– 50 + 20 = 70, com mais 5 dá 75. 
– Já sei é só calcular o dobro de 25 e somar mais 25. 
– 2 x 25 = 50 e 50 + 25 = 75. 
– As três camisetas vão custar 75 reais. 

O procedimento aqui descrito por uma professora atenta mostra vários aspectos importantes da atividade matemática em sala de aula. A atenção a esses aspectos podem ajudar os professores a melhor explorá-los e levar os alunos à aprendizagem.

• Crianças podem não ter experiência com quantidades da ordem de 25 reais, mas sua experiência com quantidades de menor valor, como 25 centavos, pode ajudá-las a resolver problemas pela semelhança e a natureza dos números envolvidos. 

• Nesse caso, é provável que a familiaridade com o manuseio de quantias menores, como as moedas, esteja relacionado com situações e problemas reais vividos pelos alunos em um contexto extraescolar, como, por exemplo, quando vão comprar pão ou um refrigerante ou quando ganham algumas moedas de uma pessoa da família. Essa atividade matemática que ocorre fora da escola não deve ser desperdiçada e sim explorada na escola, pelo potencial de significatividade que tem para o aluno. 

• A estimativa e o cálculo mental são apoios importantes para a realização de cálculos mesmo em uma situação com calculadora. A estimativa fornece pontos de referência para os alunos avaliarem o resultado de uma operação; o cálculo mental envolve a utilização de regularidades e propriedades dos números. 

• A tentativa e erro é uma estratégia legítima e, numa interação entre pares ou grupos pequenos, os alunos argumentam e corrigem uns aos outros. 

Essas e outras situações são propostas aprofundadas, neste material, na Unidade 8, cujo foco é discutir e explorar situações-problema em contextos significativos para os alunos a fim de levá-los a aprender conceitos e procedimentos matemáticos, produzindo significados compatíveis com o que se espera do desenvolvimento de alunos da mesma faixa etária. No estudo dessas possibilidades didáticas veremos que o erro faz parte do processo de aprendizagem: mais que corrigido, ele deve ser problematizado mediante estratégias e metodologias adequadas, em um ambiente que valorize as interações. 

Disponível em: http://www.educacao.rs.gov.br/dados/pnaic_caderno_de_apresentacao.pdf. Acesso em: 11/09/2015.
Imagens disponíveis em: http://primeirospassosbh.com.br/plus/modulos/conteudo/?tac=maternal; http://www.colegiobatista.com.br/cbb/index.php/ensino-fundamental.html; http://colegioexponencial.educacional.net/matriculas-2013/educacao-infantil.asp. Acesso em: 11/09/2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário