sábado, 18 de abril de 2015

DISCURSOS CIRCULANTES NO PROGRAMA BRASIL ALFABETIZADO



Em pesquisa realizada, foi analisado qual o discurso utilizado pelo Programa Brasil Alfabetizado ao se referir aos analfabetos. Dentre as várias análises que fizemos, e dos vários materiais investigados, está o conteúdo do site, do programa. Neste buscou-se identificar qual o discurso que se faz sobre o analfabeto, como ele é visto pelo programa, e mais, que pessoas são estas que “precisam” ser alfabetizadas.

O que se entende por discurso? “(...) para Michel Foucault, o discurso ultrapassa a simples referência a” coisas “, existe para além da mera utilização de letras, palavras, imagens, sons e frases, e não pode ser entendido como mera” expressão “de algo: o discurso poderia ser definido como um conjunto de enunciados apoiados numa formação discursiva, ou seja, num sistema de relações que funciona como regra, prescrevendo o que deve ser dito numa determinada prática discursiva. (Fischer 1997, p. 64)”.


Não se tem a pretensão de criticar, destruir ou fazer qualquer outra avaliação negativa do programa, mas reconhecer e analisar o discurso vigente sobre o analfabeto, e saber se existem relações de poder dos que falam para os que ouvem estas falas.

A linguagem

No site do programa foram analisadas a linguagem utilizada, e como esta é direcionada ao leitor. A intenção é “investigar a lógica discursiva da mídia em direção à produção de sentidos, a partir do exame de estratégias de linguagem”. (Fischer 1997, p. 60).

O conteúdo do site utiliza-se nas questões mais objetivas, mais significativas, de uma linguagem “simples”, de pequenas perguntas objetivas e respostas curtas. Destas foram destacadas algumas: “O que é o Brasil Alfabetizado? É um programa criado pelo Governo Federal com a missão de abolir o analfabetismo do Brasil”, “Quanto tempo, em média, dura a alfabetização? O tempo para a alfabetização varia de acordo com a proposta pedagógica da instituição alfabetizadora...”, “Por que é tão importante saber ler escrever? Por que esse é um direito de todo o cidadão. Só assim ele poderá exercer seu papel social...” Essa linguagem parece “facilitar” o entendimento, e “subestimar” o leitor, com respostas fáceis de entender, e supostamente não exige muito do raciocínio para compreendê-las.

Noutros textos do site, usa determinados termos referindo-se ao futuro alfabetizando, ao leitor, e ao método que as instituições “devem” usar para alfabetizar. Quando usa os termos “deve”, “faz-se necessário”, aponta e parece dar uma “ordem” imediata para as questões do analfabetismo no Brasil. Usando esta linguagem, impõe e dá a ordem de quando, como e porque determinadas pessoas precisam ser alfabetizadas. Sobre isso escreve Foucault (apud Silva, 2003, p.44-45): “Os discursos estão entre, de um lado, relações de poder que definem o que eles dizem e como dizem e, de outro, efeitos de poder que eles põe em movimento: o discurso é o conjunto das significações constrangidas e constrangedoras que passam por meio das relações sociais”.

Nos dizeres do site, aparecem as seguintes questões, de que o programa “deve” garantir a efetiva alfabetização, “deve” respeitar o processo de alfabetização participativo e democrático, “deve” considerar a aprendizagem dinâmica da linguagem verbal. A linguagem utilizada pelo Programa Brasil Alfabetizado é uma linguagem do discurso crítico, quando aponta os caminhos a serem seguidos para a alfabetização dos brasileiros. Essa linguagem exerce aqui o seu caráter político, demarcando posturas do que precisa ser ensinado e de que maneira isso será feito.

Imagens

No conteúdo do site, também aparecem imagens de pessoas. Nelas aparecem as pessoas analfabetas de nosso país, aquelas que “precisam” ser alfabetizadas. São negros (homens e mulheres) e nordestinos. Há aí também uma ausência, um silêncio. “Foucault, não quer fazer história dessa linguagem, mas, sobretudo a arqueologia desse silêncio”. O silêncio de Foucault está na ausência de outras “raças” ou culturas. No site do Programa é apresentado somente negros e nordestinos. Por que não aparecem brancos, descendentes de europeus, (italianos, alemães, poloneses, outros)? Somente negros e nordestinos são analfabetos?


O discurso utilizado pelo site cita em vários pontos o objetivo e a finalidade do programa. São estes, “... um portal de entrada para a cidadania”, “... a inclusão educacional”, “... a missão de abolir o analfabetismo no Brasil”. 

Com estes dizeres, justificando a necessidade de se alfabetizar estas pessoas citadas acima, parece que somente os alfabetizados pela instituição escola são cidadãos e quem não for alfabetizado está excluído da sociedade. Neste ponto cabe uma questão: Qual o conceito de alfabetização do programa? Como são vistos os letramentos, os conhecimentos que as pessoas já possuem, que aqui não são citados? Para este programa, as pessoas que não passaram pela escola são seres vazios, sem conhecimento algum.


Na parte das questões simples e objetivas, mais especificamente na última questão, onde trata da importância de saber ler e escrever, o discurso justifica como um direito de todo cidadão. Se for de direito, como diz no site, por que não foi proporcionada a oportunidade anteriormente. Para este programa parece que somente o alfabetizado pode exercer seu papel social. Quem não for, como citamos anteriormente é excluído da sociedade, é visto como um mal a ser extinto.

Outra questão é a justificativa para a falta de desenvolvimento, como se os principais problemas de nosso país fossem por causa do analfabetismo. A alfabetização é apresentada numa abordagem desenvolvimentista e redentora. E a idéia de que se extinguirmos esse mal todos os problemas seriam resolvidos, o país sairia da condição de terceiro mundo, não haveria mais violência, nem miséria, e usando as palavras do site, nossa sociedade seria mais justa e humana. Esses discursos colocam como solução dos problemas, a escolarização, e a falta desta, é a causa dos problemas da nossa sociedade.

As cores utilizadas no site são as cores da bandeira nacional, sendo as mais usadas o verde e o amarelo. Este discurso nos remete a um determinado tempo histórico de nosso país, o discurso da Proclamação da República, influenciado pelas idéias do positivismo. Nossa bandeira conta, com o lema “Ordem e Progresso”, essa expressão foi extraída da fórmula máxima do Positivismo, que pregava os seguintes ideais: “O amor por princípio, à ordem por base, o progresso por fim”, que significa, viver para outrem (altruísmo), e cada coisa no seu devido lugar para a perfeita orientação ética da vida social.

Ao analisar mais este discurso do site, é possível notar que esta maneira de apresentar-se utilizando as cores da bandeira nacional, perpetua as idéias do Positivismo que pregava o amor à pátria, a total dedicação a ela e a “ORDEM E O PROGRESSO!!”. Cidadania anti-cidadão: que cidadania é esta?


No site do programa Brasil Alfabetizado a palavra cidadania aparece com muita freqüência e a uma frase que se chama o“portal de entrada na cidadania”. Mas o que vem a ser esta cidadania? Sob o enfoque etimológico, a origem da palavra cidadania vem do latim “civitas”, que quer dizer cidade. No atual dicionário (Ferreira, 2000, p.36), a definição é a seguinte: "Cidadania é a qualidade, estada ou condição de cidadão". E ser cidadão é ser um "indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com este".


Ficamos a nos perguntar: Que vontades de verdades que determinam o que é ser cidadão? Que discursos permeiam a questão cidadania? Que constituições de identidades estão expressas na cidadania do programa Brasil Alfabetizado? O que é ser cidadão? E o que é não ser cidadão? Quem tem poder para definir? Nós?! Certamente não. Vocês?! Não sabemos. Definir cidadania?! A proposta foi questionar, discutir, investigar que narrativas estão sendo criadas e colocadas em circulação no site do programa sobre o que pode vir a ser, o que pode significar cidadania.

Em todo o site a palavra “cidadania” é atrelada à alfabetização, pois para as pessoas se tornarem cidadãs tem que estar circulando nos discursos das pessoas alfabetizadas, escolarizadas. Portanto, esta palavra produz um fluxo maquínico, que ordena as pessoas irem para este programa, podendo assim alcançar o ideal social, atingir a horaria de ser considerado “cidadão”. Quem são as pessoas que ganham essa horária? Como aponta o jingle do programa, é “o pobre, o adulto e o aposentado” os anti-cidadão.

Maquina-se uma verdade sobre o alfabetismo e a escolarização, produzindo e representando o discurso de que a cidadania é alcançada por meio da apropriação da leitura e da escrita. Portanto, analfabeto é visto pelo programa como anti-cidadão, sendo este perigo para o desenvolvimento do país. Um país alfabetizado cria "mais possibilidades para o desenvolvimento”, produzindo um lugar para a verdade: o alfabetismo e a escolarização promovem o progresso social.

Há, ainda, outra fala no material do site: “Qualquer pessoa pode contribuir com o trabalho de abolição do analfabetismo”. O não alfabetizado tende a ser visto pelo programa como um ser desamparado, isolado, incapaz, que necessita de bondade alheia para superar a sua condição de “inferior”. Para isso conclama, principalmente, os comerciantes, empresários e a igreja para se unirem e ajudarem nesta “luta de abolição do analfabetismo”.

Os discursos apresentados no site normalizam e controlam, informando o que é ser cidadão em uma linha mantenedora do lema desenvolvimentista e positivista: “Ordem e Progresso!”. Ele julga quem é bom e quem é ruim, quem é o mocinho e quem é o bandido, vinculando uma tarefa normativa de cidadão, de cidadania. Estas narrativas que se expressam no site tratam o alfabetizado como o certo, o bom, o normal; e o não alfabetizado como o ruim, o excêntrico, o diferente que deve se abolido, como afirma essa frase no site: “abolir o analfabetismo”.

Somos atravessados com representações que se apresentam como as corretas de ver a cidadania e suas relações. Na sessão perguntas e respostas, os discursos e narrativas ali expostas dizem como é e como deve ser um cidadão “Tem que saber ler e escrever, interpretar textos, saber cálculos matemáticos básicos”. As representações divulgadas pelo site estão estritamente vinculadas às relações de poder que incluem ou excluem, que fazem determinados grupos de pessoas falarem e outros calarem. Ousamos os silêncios e as vozes!

OS MAQUINAMENTOS DO PROGRAMA BRASIL ALFABETIZADO

O enunciado“Brasil alfabetizado” nos remete a criar movimentos para uma outra ordem de pensamento, buscando esmigalhar a afirmação do slogan. Há fluxos de funcionamento na lógica desta afirmação enunciativa. Existem maquinamentos produzindo esses discursos de Brasil? De Alfabetizado? De ordem e de progresso?

Esse slogan atua na produção de maquinamentos, ligados à máquina sociais, acontecimentos, movimentos, engendramentos, agenciamentos, produzem e estão produzindo cortes e fluxos, acoplando-se a outros movimentos maquínicos, produzidos em territórios educativos, políticos e midiáticos. As máquinas sociais não tem lugar, nem maquinistas(sujeitos), não busca significado e significante. Por isso, foram cartografados um pouco destes acoplamentos e funcionamentos a partir do enunciado, Brasil alfabetizado, é nossa proposta.

Brasil? Ordem e Progresso! Estas palavras fazem parte de um discurso histórico destes “Brasis”. Os maquinamentos do Brasil "Ordem e do Brasil", progresso são pontuados no movimento do positivismo republicano que mergulhamos no final do século XIX Fluxos ocorreram nesta produção discursiva nos territórios educativos. Os acoplamentos discursivos do qual falamos, os encontramos na primeira constituição republicana, esta era formada “de discípulos mais ou menos remotos da doutrina positivista obcecados com o ideal de pequenas pátrias, do sistema comteano” (Lacombe, 1949, p.13). Este sistema era adesivado nas máximas positivistas como: ordem e progresso, progredir, melhorando e ensine o que souber e quizer e como puder. Estas produções discursivas foram engendradas nas estratégias, jurídicas, mas também educacionais em nosso país. As máquinas desejantes (Deleuze e Guattari, 1972) positivas educacionais produzem o evolucionismo na alfabetização, constituíram verdades verdadeiras, formulas nas práticas de alfabetização, voltadas para os métodos de alfabetização, as teorias maquinam diretrizes de como se faz a alfabetização, para quem se direciona. Há o controle ordenado das premissas dos métodos pedagógicos.

Alguns estudos contemporâneos rastreiam os detalhes destes maquinamentos discursivos na alfabetização. Em Mortatti (2000), encontramos um minucioso histórico dos métodos de alfabetização dentre os períodos de 1876-1994, no Município de São Paulo. E no Rio Grande do Sul, temos a autora Trindade (2004), que estuda as cartilhas produzidas no período republicano.

Essas cadeias de narrativas de base educacional positivista da ordem e do progresso, afirmavam que garantiriam o desenvolvimento econômico, e promoveriam o progresso ordenado de nosso país através da escolarização e alfabetização em massa. Essas falas nos acompanham até os momentos atuais..Pois o programa Brasil Alfabetizado, coordenado pelo atual governo federal, voltado para a Alfabetização de Jovens e Adultos, é uma das máquinas, que se acopla as outras máquinas desejante positivistas, produzindo lugares e verdades sobre a alfabetização, o que nominamos de mito da alfabetização. Os maquinamentos sobre alfabetização fabricaram e fabricam práticas discursos e não-discursvas produzindo subjetividades sobre as pessoas jovens e adultos, não escolarizadas.

Esse programa é veiculado na mídia televisiva, radiofônica e publicitária, estes movimentos midiáticos são por nós reconhecidos como instituições, e portanto são tomadas por nos como fabricantes de verdades, fabricantes de enucunciados, e produtores de subjetividades. Esses poderes demarcados pelo enunciado do slogan “Brasil Alfabetizado”, produzem vontades de verdades sobre as pessoas não alfabetizadas e alfabetizadas. Há códigos, marcas, codificações discursivas nesses movimentos midiáticos. Eles são estrategistas em suas “montagens publicitárias”. 

Quanto aos maquinamentos do enunciado no slogan, eles demarcam, estruturam, rotulam, esmiúção, lugares, formas e julgamentos, disciplinam corpos, inventam identidades de como são e devem ser as pessoas não alfabetizadas? Como vivem? Como e onde moram? De que etnia fazem parte? Que roupas vestem? Quanta grana tem? Que idade tem? O que consomem? Com esses controles, está instituição, se maquina com o discurso positivista e promove o mito da alfabetização. Pois o Pais tem que ser alfabetizado. Esse refrão é uma ordem! Em busca do progresso.

Esse slogan maquina na linha do bem e do mal, do mocinho e do bandido, do cidadão e do não cidadão. Fabricando a correspondência maniqueísta de quem é o mal, o bandido e o não cidadão. Estas são as pessoas não alfabetizadas, portanto o Brasil não é alfabetizado!. E essas pessoas atrapalham o crescimento econômico do País, sendo pontuado nos índices internacionais como um mal mundial a ser “atacado, acabado”. Um país não alfabetizado, passa a viver e conviver com discursos mundias sobre a importância da alfabetização, montando-se um circuito discursivo, que nos chamamos de mito da alfabetização, pois ela salvará essa selvageria; os não alfabetizados. Assim como fizeram os jesuítas com os índios, no início da colonização do Brasil. Os civilizados, os colonizadores e religiosos, tem a verdade, o bem, o paraíso para dominar e disciplinar os bárbaros, não alfabetizados.

É pela linha de fuga que optamos olhar esta campanha publicitária, portanto, os bárbaros, não alfabetizados são parte da produção discursiva da maquina desejante mídia, e esta com seus tentáculos de poderes também produz o mito da alfabetização. As maquinas desejantes positivistas e as midiáticas copulam e produzem padrões e normas para um lugar do bem, que é o lugar das pessoas alfabetizadas, disciplinadas e civilizadas. 

Disponível em: http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais15/alfabetica/MatosSonia.htm. Acesso em: 18/04/2015.

Imagem disponível em: http://www.blogdojorgearagao.com.br/2014/01/05/seduc-alerta-municipios-para-o-brasil-alfabetizado/. Acesso em: 18/04/2015.

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