ALFABETIZAÇÃO E SURDEZ
Para aprender a escrita da Língua Portuguesa, no caso da criança surda
brasileira, ela deve ter adquirido uma primeira língua, a Libras. Este contato deveria
começar na família, uma vez que esta deveria utilizar a língua de sinais no seu
cotidiano, e ser uma continuidade em outros espaços como a escola, espaço de lazer e
outros, porém nem sempre a língua de sinais é conhecida nestes ambientes. Como
justificativa para este fato, Quadros e Schmiedt (2006) afirmam que isso ocorre
principalmente porque a maioria das crianças surdas são filhas de pais ouvintes.
Ao falar sobre a importância da língua de sinais para a criança surda no
aprendizado da Língua Portuguesa, que é segunda língua para o indivíduo surdo,
Fernandes (2006) afirma que:
Sem sua mediação, os alunos não poderão compreender as relações
textuais na segunda língua, já que necessitam perceber o que é igual e o
que é diferente entre sua primeira língua e a língua que estão
aprendendo (FERNANDES, 2006, p. 14).
Diante dessa afirmativa, é importante que a criança surda adquira a Libras antes
de iniciar o processo de alfabetização, para que ela possa identificar as diferenças entre
a sua língua e a Língua Portuguesa escrita, e comece a estabelecer formas de
compreensão através de estratégias criadas pelos próprios professores na tentativa de
fazer com que a ela reconheça tais diferenças. Devido ao impedimento auditivo, a
criança surda não faz a relação grafema/fonema de forma natural como a criança
ouvinte. Com isso, novos procedimentos e estratégias didáticas devem ser adotados na
alfabetização dessas crianças como, por exemplo, o uso de figuras, pois, já que o surdo
é um sujeito visual, o auxílio de figuras facilita sua aprendizagem. Assim como a
utilização de palavras impressas em Língua Portuguesa, vídeos, objetos, entre outros.
Segundo Quadros (2008), as crianças surdas devem estabelecem visualmente as
relações de significação com a escrita. Assim, a criança surda, por ter uma língua
espaço-visual, busca nela o sentido que a levará a entender a escrita em Língua
Portuguesa, mas para isso é importante que o seu direito seja respeitado: ter acesso à
língua de sinais como primeira língua (L1), e aprender a Língua Portuguesa como
segunda língua (L2).
Após várias lutas e debates pelo direito educacional das pessoas surdas, em 24
de abril de 2002 é sancionada a Lei 10.436, intitulada Lei de Libras, reconhecendo-a
como língua, bem como a segunda língua oficial do país. O Decreto 5.626/05 que
regulamenta a referida lei assegura que:
Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir,
obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à
informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos
conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e
modalidades de educação, desde a educação infantil até a superior.
§ 1
o
Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso
previsto no caput, as instituições federais de ensino devem:
II - ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino
da Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua
para alunos surdos; (BRASIL, 2005, p.04) (grifo nosso)
Esse Decreto vem como um grande avanço na educação de surdos porque
assegura a melhor forma de aprendizagem para as crianças surdas, o acesso a Libras
desde a Educação Infantil, além de orientar os profissionais da educação para atenderem
a esse público e apresentarem a Língua Portuguesa escrita como L2.
É importante ressaltar que o contato da Libras deve ser iniciado na Educação
Infantil, mas, infelizmente, essa ainda não é a nossa realidade. Observamos durante o
período de estágio que crianças surdas e ouvintes são agrupadas em Centros Municipais
de Educação Infantil (CMEI’s) e têm a mesma forma de ensino: baseada no oralismo e
pouco visual, o que faz com que as crianças surdas sejam enquadradas em um processo
de aprendizagem que beneficia apenas os ouvintes.
A reflexão sobre a língua surge a partir de experiências adquiridas pela criança
com o tempo, em que ela começará a entender o sentido da língua dentro dos vários
contextos existentes. Com isso, a criança irá transpor o significado de todos os
processos vividos para a escrita, em que atribuirá um significado a ela.
Ler e escrever em sinais e em português são processos complexos que
envolvem uma série de tipos de competências e experiências de vida
que as crianças trazem. As competências gramatical e comunicativa das
crianças são elementos fundamentais para o desenvolvimento da leitura
e escrita (QUADROS, 2006, p.31).
Diante disso, entendemos que se torna inviável a criança ser alfabetizada em
uma segunda língua, sem ter domínio de uma primeira. O conhecimento de mundo que
é trazido pela criança é de grande valia para que o desenvolvimento da língua escrita se
dê de forma mais completa. “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”
(FREIRE, 1988, p. 09).
Assim, tão importante quanto estar alfabetizado em uma língua escrita, é trazer
essa leitura de mundo citada por Freire (1988), que se mostra como primordial no processo de alfabetização, a partir do momento em que o sujeito utiliza esse
conhecimento de mundo para se beneficiar em atividades que exijam um conhecimento
que vá além das palavras.
Hoje no Brasil, por meio de uma nova perspectiva educacional, que é a
educação bilíngue5
, os alunos surdos têm a oportunidade de acesso a uma educação por
meio da Libras e a se apropriar da Língua Portuguesa em sua modalidade escrita. Ou seja, o bilinguismo não só respeita a língua dos surdos, como também
considera outros aspectos que influenciam diretamente na educação desses sujeitos
promovendo um melhor ensino-aprendizagem. É através do bilinguismo que a criança
surda pode se apropriar da língua de sinais conhecendo seus vários aspectos e de
adquirir a segunda língua (na modalidade escrita) com mais facilidade através de
atividades e metodologias que facilitam a aprendizagem da Língua Portuguesa escrita.
As atividades sugeridas aos professores objetivam chegar na leitura e
escritura da língua portuguesa como segunda língua. Assim, as atividades sempre
são antecedidas pela leitura de textos em sinais.
A leitura precisa estar contextualizada. Os alunos que estão se alfabetizando
em uma segunda língua precisam ter condições de “compreender” o texto. Isso significa que o professor vai precisar dar instrumentos para o seu aluno
chegar à compreensão. Provocar nos alunos o interesse pelo tema da leitura por
meio de uma discussão prévia do assunto, ou de um estímulo visual sobre o
mesmo, ou por meio de uma brincadeira ou atividade que os conduza ao tema
pode facilitar a compreensão do texto.
Há, pelo menos dois tipos de leitura, quando se discute esse processo na
aquisição de segunda língua: a leitura que apreende as informações gerais do
texto, ou seja, dá uma idéia mais geral do que o texto trata, e a leitura que
apreende informações mais específicas, isto é, adentra em detalhes do texto que
não necessariamente tenham implicações para a compreensão geral do texto.
Os dois tipos de leitura são importantes quando se está aprendendo a ler em
uma segunda língua e podem ser objetivo de leitura ao longo do processo
de aquisição.
O professor precisa preparar as atividades de leitura visando um e/ou
outro nível de acordo com as razões que levaram os alunos a terem interesse a
ler um determinado texto. Nesse sentido, a motivação para ler um texto é imprescindível.
A criança surda precisa saber por que e para que vai ler. O assunto
escolhido como temática na leitura vai variar de acordo com as atividades e
interesses dos alunos. Instigar nos alunos, durante a leitura, a curiosidade pelo
desenrolar dos fatos no texto é fundamental. No caso de histórias, por exemplo,
pode-se parar a leitura em um ponto interessante e continuá-la somente em
outro momento, deixando nos alunos a expectativa do que irá acontecer, permitindo
que opinem sobre o desfecho da mesma e comparando posteriormente
com o final escolhido pelo autor.
O professor precisa conversar na língua de sinais sobre o que a leitura
estará tratando. Isso não necessariamente implica em ler o texto em sinais, mas
sim conversar sobre o texto ou trazer o texto dentro do contexto das atividades
já em desenvolvimento na sala de aula. Além disso, muitas vezes discutir sobre
alguns elementos lingüísticos presentes no texto pode ser muito útil para o aluno
que está aprendendo a ler.
Trabalhar com palavras-chaves também pode ser muito útil para o novo
leitor. Isso não significa listar o vocabulário presente no texto, mas discutir com os alunos sobre as palavras que aparecem no texto estimulando-os a buscar o
seu significado. Outra alternativa é estimular a busca no dicionário, desde que
isso não se aplique ao texto inteiro.
Algumas questões que os professores devem manter em mente quando
preparam uma atividade de leitura são as seguintes:
z Qual o conhecimento que os alunos têm da temática abordada no texto?
z Como esse conhecimento pode ser explorado em sala de aula antes de
ser apresentado o texto em si?
z Quais as motivações dos alunos para lerem o texto?
z Quais as palavras fundamentais para a compreensão do texto?
z Quais os elementos lingüísticos que podem favorecer a compreensão do
texto?
Outro aspecto a ser considerado ao se propor atividades de leitura em
uma segunda língua são os tipos de textos. Conforme Quadros (1997), os textos
apresentados aos alunos surdos devem ser textos verdadeiros, ou seja, não se
simplificam os textos que existem, mas se apresentam textos adequados à faixa
etária da criança, por isso os contos e histórias infantis são muito apropriados
nas séries iniciais do ensino fundamental. Além desses tipos de textos, é possível
trabalhar com histórias em quadrinhos, textos jornalísticos, trechos de livros
didáticos e assim por diante. O mais importante é o texto fazer sentido para a
criança no contexto da sala de aula e para a sua vida.
Sugestões de atividades para o ensino
da língua portuguesa para surdos:
2.1 Trabalhando com o “SACO DAS NOVIDADES”
2.1 Trabalhando com o “SACO DAS NOVIDADES”
Esta é uma dinâmica realizada na educação infantil de uma escola de
surdos do Rio Grande do Sul e que foi aqui adaptada para o trabalho com a
língua portuguesa.
OBJETIVOS
z Estimular na criança a habilidade de expressar-se perante um grupo;
z Desenvolver na criança a capacidade de expor seus pensamentos de
forma clara e organizada, situando-se no tempo e no espaço, utilizando
este recurso como apoio.
MATERIAL
z 1 saco de pano, com a inscrição SACO DAS NOVIDADES no centro
e o nome da criança abaixo, em cola colorida, tinta para tecido ou
bordado.
DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE
z Cada criança deve possuir seu próprio Saco das Novidades que será
levado para casa toda 6ª feira;
z Durante o final de semana colocará no saco um objeto ou qualquer
material que represente ou faça parte de alguma atividade realizada
neste período (seja um passeio, uma brincadeira, um lanche, um momento
em casa,...).Se não houver possibilidade de colocar uma representação
concreta, que seja então uma folha com um desenho da atividade
desenvolvida.
z O Saco das Novidades deve ser trazido e explorado em sala sempre na
2ª feira. A criança mostra o objeto e conta em língua de sinais o que ele
significa, que atividade representa, onde e quando foi realizada, quem
participou dela.... Se não consegue fazê-lo espontaneamente o professor
pode,num primeiro momento, auxiliar fazendo-lhe alguns questionamentos:
“O que você trouxe aí?”, “É seu? Não? De quem é?”,
“Quando fez isto, foi no sábado ou no domingo?”, “Você gostou?”,...
z Conforme o nível de aprendizagem da turma,após a atividade anterior,
pode-se:
– fazer o registro individual ou em grupo; escrito ou ilustrado;
– montar histórias em quadrinhos que podem ser trocadas entre as crianças
para que recontem a atividade do colega em língua de sinais,
pro-porcionando a troca e o desenvolvimento lingüístico;
– aproveitar algum registro para o trabalho de português;
– e tantas outras atividades que venham de encontro aos objetivos traçados
pelo professor.
Exemplo: Uma criança traz dentro do saco uma boneca de pano nova. Uma criança traz dentro do saco uma boneca de pano nova.
a) Momento de conversação e exploração do objeto em língua de sinais:
z A criança pode contar como e quando a ganhou, quem a fez, onde a
ganhou, como é a boneca, o que achou de tê-la ganho, se ela tem outras bonecas ou não,
como e onde ela brinca
com bonecas, se já escolheu
um nome para sua
boneca nova....
z Após este momento as
outras crianças podem
manusear a boneca, fazer
perguntas e o professor
pode aproveitar para
explorar mais algum
detalhe.
z Depois que todos tenham
mostrado e contado o
que trouxeram faz-se o
registro dos mesmos.
b) O registro pode ser em grupo, de duas formas:
z Exemplo 1: A cada semana as crianças escolhem a novidade de um dos
colegas e formam o texto em conjunto.
Registro do Saco da Novidade:
Ana
Ana trouxe uma boneca de pano.
Ela ganhou esta boneca da vovó no domingo.
Foi a vovó quem a costurou.
Domingo à noite Ana colocou a boneca em sua
cama e dormiu com ela.
Ana ainda não escolheu um nome para sua boneca
nova.
Disponível em: https://www.ufpe.br/ce/images/Graduacao_pedagogia/pdf/2013/tcc_final_dalila_santos_isabela_gomes.pdf; http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/port_surdos.pdf. Acesso em: 27/04/2015.
Imagem disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/ninguem-fala-mesma-lingua-alfabetizacao-surdos-inclusao-787415.shtml. Acesso em: 27/04/2015.
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