HISTÓRIAS
DE PROFESSORAS ALFABETIZADORAS
PARTICIPANTES DO PNAIC
Esta é uma pesquisa realizada com vinte e uma Orientadoras de Estudos
integrantes do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), no
Polo Santa Rosa, coordenado pela Universidade Federal de Santa Maria, na
parte norte do estado do Rio Grande do Sul. O PNAIC é um programa federal
que propõe uma mudança de paradigma na concepção de alfabetização,
inovando-a nas instituições públicas de ensino fundamental, como um ciclo
alfabetizador. A federação organizou materiais teóricos para serem estudados
pelos professores e subsidiou as escolas com excelentes materiais em literatura
infantil, jogos e livros paradidáticos. Os próprios professores manifestam que
nunca tiveram tantos recursos nas escolas, inclusive, tecnológicos. No ano
passado, o foco foi no letramento e na língua materna; este ano, o foco é na
linguagem matemática.
Para o bom entendimento desses materiais e a inovação pedagógica
nas salas de aula, é que se realizam as formações do PNAIC. A estrutura é
composta por uma Coordenação Geral de Linguagem e outra de Matemática;
uma Equipe Técnica, responsável pela gestão do Programa; os Formadores,
incumbidos dos estudos de todo o Programa; os Orientadores de Estudos,
professores envolvidos com a alfabetização em seus municípios, responsáveis
por multiplicar a formação que recebem nos encontros; e os professores
alfabetizadores, que atuam nos três primeiros anos do Ensino Fundamental
em seus municípios. São mais de vinte mil professores envolvidos no Programa
apenas nessa fatia coordenada pela UFSM, aqui no Rio Grande do Sul.
Reescrever-se para autoformar-se
Na tentativa de expandir os horizontes dessa pesquisa, optamos por compor
um trabalho alfabetizador em uma proposta de Letramento, visto que a leitura
e a escrita são invenções sociais capazes de transformar a cultura de um lugar,
e o conhecimento não é algo acabado, mas uma construção que se faz e refaz
nas práticas cotidianas.
Por meio do método biográfico, através da escuta sensível das histórias orais e
narrativas, pois o mesmo propicia analisar e esclarecer as relações coletivas que
se estabelecem entre o sujeito de determinados grupos e contextos, investigando
as transformações que acontecem com o sujeito e, ao mesmo tempo, com seu
cotidiano alfabetizador, é possível descobrir que textos formadores podem
ser elaborados nesse contexto, construído pelas histórias de vida dessas
professoras. É o próprio sujeito investigado o ponto de intersecção das relações entre o que é externo a ele e o que carrega em seu íntimo. Autobiografias e
biografias configuram-se, cada vez mais, como férteis espaços de conhecimento
da pesquisa em Educação, colaborando para a qualificação profissional e a
formação de professores. Dessa forma, propomos o entrelaçamento da minha
própria história com a dessas professoras, pois, ao compartilharmos os
momentos formadores, vamos transformando-nos pela ação do outro, até que
não sejamos mais nós mesmas sem que possamos perceber o outro em nós.
O Diário de Bordo como estratégia autoavaliadora
em processos de autoformação
Escrever não é tarefa fácil, mas acreditamos que seja a melhor forma
de refletirmos sobre o que aprendemos no nosso cotidiano e elaborarmos
nossas aprendizagens. Associamos o trabalho desenvolvido na minha própria
formação escolar e acadêmica, e como formadora de professores, com a escrita
de si em Diários de Bordo. Uma estratégia para potencializar a reflexão sobre
as aprendizagens pessoais, e suas (trans)formações, o que foi fazendo com
que, juntamente com o meu grupo de trabalho, o GT 12, também refletisse em
relação a minha própria formação e a sua compreensão. Fomos desenvolvendo o PNAIC em formação compartilhada, colocando-nos no lugar de alunas
e reconhecendo que aprendemos sempre, mas somente temos certeza de
que nos transformamos, quando mudamos para modificar nossas práticas
pedagógicas.
Memória é produção, conservação e evocação de informações e/ou
conhecimentos elaborados a partir da própria experiência pessoal. À produção
de memórias também podemos chamar por aprendizado. Memórias apenas
adquirem sentido quando são evocadas, isto é, acessadas para serem utilizadas
em ações no presente. Memória é vida fluída, é mundo vivido inventado no
cotidiano.
Nossa maneira de agir, pensar, planejar, de realizar e de sentir relacionase,
estreitamente, com aquilo que lembramos, pois aquilo que lembramos é
aquilo que sabemos. O que não aprendemos, ou o que, por algum motivo,
tenha ficado esquecido, não faz mais parte de nós, não nos pertence mais, não
nos é identitário. A identidade de cada um vai se formando de jeitos, trejeitos
e trajetos diferentes porque cada um tem sua própria história construída pelo
que é vivido cotidianamente e pela forma como é lembrado, ou esquecido, pelos
sujeitos. Somos aquilo de que nos lembramos porque também decidimos o
que queremos esquecer. Somos nossas memórias. Somos o que conseguimos
aprender nas diferentes formas que percebemos e nos relacionamos com o
mundo, inventando e reinventando nosso cotidiano. Como diz Norberto Bobbio:
“Somos aquilo de que nos lembramos” (1997, p. 30). Eu diria: Somos o encontro
daquilo que lembramos com o que decidimos esquecer.
O Diário de Bordo é uma pertinente forma de registro e (auto)reflexão que
permite aos sujeitos reelaborarem-se em contínua (auto)formação, concebida
como uma estratégia de interação com o mundo real, que possibilita a análise
das aprendizagens cotidianas. É possível vislumbrar a memória (auto)biográfica
cumprindo um determinado propósito nas nossas interações com o mundo e
consequentes relações com os saberes estabelecendo-se como uma metodologia
de pesquisa. Uma pesquisa sobre nós mesmos, investigando que possibilidades
de aprendizagens temos construído para nós e que significações o cotidiano
e as relações intrínsecas a ele vão proporcionando à formação dos sujeitos.
As reflexões sobre si, buscando compreensão das dinâmicas e significações
elaboradas pelas histórias de vida no cotidiano, permitem a transformação das
pessoas em atores biográficos (JOSSO, 2010).
A ideia de atores biográficos parte da concepção de que, embora as
pessoas estejam inseridas em um determinado contexto sociocultural, podem
protagonizar suas histórias de vida inventando-se no seu cotidiano. Caminhar
para si (JOSSO, 2010) permite um duplo movimento de consciência que
relaciona e envolve o que é presente pelo que foi vivido no passado e que projeta
perspectivas de futuro por aquilo que virá a ser. “Esse olhar retrospectivo e
prospectivo estimula a reflexão sobre a responsabilidade do sujeito sobre seu
vir a ser e sobre as significações que ele cria.” (JOSSO, 2010, p. 189) Construir
um Diário de Bordo é transformar vozes em palavras escritas que possibilitam
aos sujeitos compreenderem suas diferentes formas de aprender a aprender.
Pensando dessa forma, colocamo-nos não como professoras, mas como alunas
em permanente aprendizagens de si e do mundo.
Entendida como uma metodologia que favorece as relações entre memória e
história, a (auto)biografia inter-relaciona-se com a história do tempo em tríade,
passado, presente e futuro, isto é, de um tempo que não é apenas recorte, mas
movimento. E, por estar em movimento, elabora mais uma dimensão, a das
relações entre os três tempos que conseguimos captar quando escrevemos.
Possibilita aos pesquisadores captar o que não está explícito, talvez mesmo, o
indizível que, recolhido na memória e na sensibilidade dos sujeitos, expande
possibilidades da compreensão do real. Assim, tornamo-nos pesquisadores de
nós mesmos e protagonistas da nossa formação, viabilizando as transformações
metodológicas e pedagógicas que sejam necessárias à alfabetização de todas as
crianças até os oito anos de idade.
Vivenciar a história do tempo/movimento permite que se perceba com clareza
a articulação entre as percepções e as representações dos atores biográficos
e as determinações e interdependências que tecem as relações sociais e as
transformações culturais. Que transformações seriam pertinentes na prática
de uma avaliação (auto)formadora?
Escrever o cotidiano tempo/movimento através das narrativas de si em
um Diário de Bordo auxilia a compreender as transformações que vamos
vivenciando a partir de nossas formações, realizando uma autoformação. É
preciso aguçar a percepção para envolver-se em escritas de si, demonstrando
que as diferentes maneiras de fazer o/no cotidiano é sempre resultado de uma elaboração que compreende tempo/movimento, ou seja, conforme a visão de
Freire (1997), a história sempre será uma contínua construção de nós mesmos
e nós, seres inacabados:
No Magistério, lembro de algumas professoras perguntando se tínhamos
certeza que queríamos ser professoras e expunham os muitos
problemas da profissão Mas o brilho que elas traziam no olhar, o
desafio que se impunham na entonação, o orgulho, visível na postura
... Não tínhamos como desistir. Queríamos ser professoras. Fiz meu
Magistério nos anos finais da década de 70. Às vezes, ao fundo da sala
de aula de determinadas professoras, um homem de preto sentava-se.
Olhávamos enfileiradas, muitas vezes de revesgueio, como se nossas
nucas estivessem sendo perfuradas por um raio incisivo vindo de um
olho superpoderoso. Mas não éramos seu interesse prioritário. Hoje
compreendo melhor essa tirania, o que me fez diferente. (Fragmentos
do Diário de Bordo da autora, 2013).
(Auto)biografia é um método de pesquisa que pode ser utilizado em Educação,
na própria avaliação, o que propicia analisar, esclarecer e compreender as
relações coletivas que promovem determinadas aprendizagens e desvelar
formas de pensamento que sejam promotoras de diferentes formas de aprender,
estabelecendo relações entre os sujeitos de determinados grupos e contextos, e
sendo o ponto de intersecção das relações entre o que é externo ao sujeito e o
que ele carrega em seu íntimo, isto é, quais suas possibilidades de aprendizagens
e quais inéditos lhe são viáveis (FREIRE, 1997). Da mesma forma, (auto)
biografias configuram-se, cada vez mais, como férteis espaços de conhecimento
da problemática em investigação e da consequente avaliação como apreciação,
sem mensurar valores, comportamentos e saberes. Investigamos a nós para
construirmos possibilidades a partir do compartir com o outro. Somos seres
inacabados em sujeitos inéditos viáveis (FREIRE, 1997).
O que faz possível utilizar a (auto)biografia como metodologia de avaliação
e de transformação é a fundamentação da sua análise. No caso, as percepções
dos seus autores em relação aos seus saberes e fazeres pedagógicos e sua
aprendizagem. É conseguir transformá-los em texto (conhecimento) e,
assim, promover com que o próprio autor se perceba como potencial ator da
dinamização das possibilidades de aprendizagens.
Embora pensem em como o aluno aprende, os professores preocupam-se
com o que querem que o aluno aprenda. E, às vezes, inventar-se torna-se tarefa
impossível. Não há inovações, apenas permitem-se retocar seu fazer pedagógico
com as nuances das propostas e metodologias da época, sem favorecer com
que os alunos protagonizem seus conhecimentos e sua própria formação. Sem
criatividade. Sem saberes inovadores. Buscar novos métodos e novas teorias não se tem mostrado suficiente, muito menos eficiente, para alterar a prática
da sala de aula, seja ela em qualquer nível ou modalidade de ensino.
Descobrimos que a escola (a Academia por extensão) não nos constitui naquilo
que somos, mas naquilo que nos possibilitou ser, redescobrindo o universo da
pesquisa em educação e, consequentemente, a compreensão das maneiras de
fazer no meu cotidiano de professora/formadora/pesquisadora. Descobrimos
que um trabalho articulado e realizado em diferentes práticas pedagógicas e
narrativas possibilita a criação de um ambiente de aprendizagens favorável à
nossa (auto)formação. Compreendemos também em processo de formação que
está intrinsecamente relacionado à formação das alunas, colocando-nos no lugar
de aluna e aprendendo com as narrativas delas. O que colaborou para essas
reflexões e transformação das práticas pedagógicas foi a utilização do Diário de
Bordo como estratégia (auto)formadora.
Em um Diário de Bordo é possível registrar nossas relações com o cotidiano
e seus saberes em diferentes gêneros textuais. Quando escrevemos, estamos
reelaborando o conhecimento do mundo e nossas sensações e sentimentos
compartilhados nele, expressando-o de diferentes jeitos. Dessa forma, fomos
teorizando a prática como formadora de professores e compreendendo essa
maneira diferente de transformar-se, preocupada com a formação do sujeito
aprendente, sua interação com o conhecimento, suas possibilidades de
aprendizagens, suas emoções, enfim, com sua (auto)formação.
O Diário de Bordo apresenta um potencial interativo porque permite a
elaboração e a edição de suas informações em diferentes gêneros textuais, bem
como a inserção de imagens, ou mesmo objetos significantes e significativos.
Dessa forma, promove a interação e o compartilhamento de conhecimentos,
emoções, sensações e impressões. Um Diário de Bordo anuncia em si não apenas
a identidade do aprendiz, mas as maneiras de fazer cotidianas, que compõem
o sujeito e estão expressas a partir da elaboração cuidadosa do que se quer
dizer. Não apresenta apenas os conceitos de um objeto em estudo, mas dos
significados do conhecimento elaborado a partir do que se sabe e do que se vive,
que vão sendo construídos nas e pelas consequentes relações com o cotidiano.
É uma forma de mediação do processo reflexivo das ações e sobre as ações
em determinados cenários ou contextos. Expõe as reflexões do autor/aluno a
partir do diálogo interior, oferecendo informações pertinentes aos processos
de aprendizagens e de socialização no ambiente escolar e fora dele. É a
fundamentação de um instrumento de autoavaliação, proporcionando ao autor/
aluno a reflexão sobre as informações que ele mesmo produziu a partir das
relações com os saberes em questão. É uma estratégia ousada para fundamentar
a avaliação em (auto)avaliações e, consequentemente, em (auto)formação.
O Diário de Bordo apresenta elementos referentes aos processos de
aprendizagens, mas também aponta para a qualidade desse processo e dos conhecimentos que estão sendo construídos como constitutivos da
formação pessoal. Evidencia o autor como um todo, protagonista das próprias
aprendizagens. Rompe com a ideia de linearidade hierárquica, onde o saber
é privilégio do formador, apresentando uma participação ativa do aluno/
professor/pesquisador nos processos de aprendizagens. Permite a exploração
de alternativas referentes ao ambiente e aos conhecimentos, ao tempo e ao
movimento favoráveis para a realização de inferências sobre as relações entre
os diferentes saberes e os diferentes sujeitos, estabelecendo similaridades entre
ideários, facilitando descobertas de princípios, conceitos ou relações. Conforme
as professoras vão escrevendo sobre si e suas relações com o conhecimento,
rompem com a lógica linear, conteudista e estática do currículo tradicional,
percebendo o conhecimento em diferentes vivências prazerosas.
Quando trabalhamos com o Diário de Bordo, pressupomos a existência de um
currículo espiralado, que possibilita ao aluno/autor/professor perceber o mesmo
conhecimento sob diferentes aspectos, níveis de aprofundamento e formas
de representação. Rompe com as ideias de estruturação, transversalidade e
linearidade do currículo para percebê-lo vivo dinâmico e relacional.
Penso no Diário de Bordo como uma estratégia de (auto)aprendizagem (o que
também pressupõe ensinagem) desafiadora, onde, a partir das suas percepções
e narrativas, bem como da perspectiva da forma de organizá-las, o aluno/autor/
professor aprende solucionando problemas através do desenvolvimento do
pensamento matemático, ao desafiar-se a compreender o mundo e suas relações.
Conforme o aluno/autor/professor vai elaborando o Diário de Bordo, também
vai atribuindo sentido ao que faz a partir da compreensão de si em relação com o
mundo (conhecimento). Constrói sua identidade ao observar-se e narrar-se nessa
relação com o mundo e que constitui as maneiras de fazer inventivas do cotidiano
(Certeau, 2012). Uma forma de (re)avaliar-se em movimento (auto)reflexivo que
possibilita a criação de condições para que a aprendizagem se efetive.
Voltar-se sobre si, em movimentos de autoconhecimento, é narrar o
indizível, o invisível aos outros que, imperceptível em um primeiro
momento, transborda o conhecimento construído pelo cotidiano nas
relações das próprias histórias de vida. Escrever uma Tese é também
(re)escrever-se, pensando-se, dizendo-se e (re)inventando-se no cotidiano
investigativo. (Fragmento do Diário de Bordo da autora, 2013).
Escrevendo no Diário de Bordo narrativas de si, tornamo-nos protagonistas
da nossa formação, o que é atraente na perspectiva da forma metodológica de
operacionalizar as transformações que promovemos ao longo da vida escolar nossa
e dos nossos alunos. O fato de poder lidar com as possibilidades dos sujeitos
e a imprevisibilidade das aprendizagens favorecem a intenção pedagógica do
professor.
Através dos Diários de Bordo e da reflexão realizada para compô-los, fui
elucidando elementos pertinentes às minhas aprendizagens protagonizando-as
em um tempo próprio e singular, articulador do movimento histórico constitutivo
dos sujeitos. Existem momentos de socialização dos Diários de Bordo, quando
a turma objetiva compreender e envolver-se com as aprendizagens de cada
aluno/autor. A partir das narrativas de cada um, relacionamos as diferentes
formas expressivas pessoais com estudos e articulamos diferentes momentos
de aprendizagens constitutivos dos sujeitos em formação.
Oliveira (2009) diz que ensinar não basta, é preciso proporcionar aos alunos
que vivenciem diferentes estratégias de ensino aprendizagem em situações
de vivência e colaboração na construção dos conhecimentos que cada um
busca para si. As aulas, a orientação afetuosa dos professores, o sentimento
de grupo, a clareza dos inéditos viáveis e a compreensão dos processos de
pensamento pertinentes às diferentes aprendizagens são fundamentais para
que se possibilitem as transformações pertinentes à (auto)formação.
É necessário estabelecer uma dialogicidade entre o lugar e entre os sujeitos,
definindo que relações afetivas e cognitivas serão estruturadas e valorizadas.
Forma-se um entrelugar de cultura de aprendizagens que em linguagens,
muitas vezes silenciosas, definem-se pelas práticas cotidianas de aprender e
suas maneiras de fazer (CERTEAU, 2012), registrando, mais do que anotações
da aula, as reflexões sobre o que, como e por que se está fazendo/aprendendo.
Falar sobre o cotidiano e escrever-se em Diário de Bordo é dizer-se em
diferentes “maneiras de fazer” com que as possibilidades sejam inventadas pelo
que se vai pensando e sobre o que se vai fazendo em ações articuladas pela
convivência afetuosa com os outros. Mais do que o lugar e o tempo em que se
está, são as relações entre os sujeitos, entre esse lugar e os tempos vividos, que
compõem uma cultura inventiva do cotidiano. Registrar as compreensões dessas
relações é escrever-se, em ação presente, em (auto)formação.
De qual avaliação estou falando: avaliação (auto)formadora
Uma Avaliação (Auto)Formadora
Uma Avaliação (Auto)Formadora pressupõe estratégias de registro de
aprendizagem (e de ensinagem) que sejam essencialmente narrativas, assim
como o Diário de Bordo. A partir da pesquisa realizada com professoras
alfabetizadoras e baseada em teóricos como Perrenoud (1999), que apresenta a
necessidade de uma avaliação formadora e reguladora do aprender e do ensinar;
Abrahão (2006, 2008), Passeggi (2008) e Souza (2008, 2011), que apresentam
a importância das narrativas pessoais para a autoformação e consequente
formação humana; e Arroyo (2004), que prioriza a superação dos paradigmas
escolares a partir das trajetórias pessoais de alunos e mestres e por todas as
informações aqui expostas; minha proposta é conceber a avaliação escolar como auto)formadora, pois entendemos que essa dimensão possibilita-se a partir
do princípio da narrativa em ações criativas do dizer-se. Mudando o paradigm
da avaliação, conseguimos transformar nossas práticas pedagógicas, pois
transformamos a nós mesmos. O professor necessita colocar-se no lugar de
aluno, pois ensinar e aprender são um binômio indissolúvel: quem ensina tem
que estar aprendendo e quem aprende, ao aprender, está ensinando. Avaliar,
para poder transformar, tem que redimensionar-se em (auto)avaliação de todos
os envolvidos no processo de alfabetização, inclusive de formação de professores.
Propomos a ruptura com o senso comum naturalizado nos espaços e
tempos escolares, de uma avaliação hierarquizada pautada em aptidões.
Dificilmente, quando realiza a avaliação dos seus alunos, o professor avalia ao
seu trabalho. Pensa em processos, mas esquece que processos são efetivados a
partir de relações que acontecem no presente e que constroem possibilidades.
Dificilmente, ao avaliar, o professor age de forma processual e, muito menos,
estabelece suas práticas pedagógicas com a compreensão de que a aprendizagem
é um processo. Se a aprendizagem é um processo, a ensinagem também é. Assim
como formar-se e transformar-se permanentemente.
Expondo em diferentes formas narrativas as reflexões do autor/autor/
professor, o Diário de Bordo oferece informações pertinentes aos processos de
aprendizagens e de socialização no ambiente escolar, tanto para o aluno, como
para o professor. É a base de um instrumento de (auto)avaliação proporcionando
ao autor a reflexão sobre as informações que ele mesmo produziu, tanto referente
aos processos de aprendizagens, como da qualidade desse processo e dos
conhecimentos que estão sendo construídos como elementos de formação pessoal.
O Diário de Bordo evidencia o aluno/autor/professor como um todo,
protagonista das próprias aprendizagens. Rompe com a ideia de linearidade
hierárquica, apresentando uma participação ativa do aluno/autor/professor nos
processos de aprendizagens. Permite a exploração de alternativas (ambiente e
conhecimentos) favoráveis para a realização de inferências sobre as relações entre
os diferentes saberes, e de estabelecer similaridades entre ideários, facilitando
descobertas de princípios, conceitos ou relações. Conforme escrevem sobre si
e suas relações com o conhecimento, os autores rompem com a lógica linear,
conteudista e estática do currículo tradicional, percebendo o conhecimento em
diferentes vivências.
Utilizar a (auto)biografia como metodologia e empregar o Diário de
Bordo como uma estratégia do aprender e do ensinar, do (auto)formar-se,
pressupõe um currículo espiralado, que possibilita aos envolvidos no processo
educativo perceber o mesmo conhecimento sob diferentes aspectos, níveis de
aprofundamento e formas de representação. Escrever-se em Diários de Bordo
é romper com as ideias de estruturação, transversalidade e linearidade do
currículo para percebê-lo vivo, dinâmico e relacional. Assim como rompe com a ideia de separar a aprendizagem e a ensinagem, amalgamando os dois processos
nas narrativas que se fazem formadoras dos sujeitos e dos saberes.
Não penso mais nas letras, mas em dizer-me, pois sou fruto do meu
desassossego que me delineia em experiências de amizades expressas
em linguagens e corporeidades.
Como assim? Se nesse movimento o outro sou eu?
(Fragmentos, do Diário de Bordo da autora, 2013).
O Diário de Bordo é uma estratégia de (auto)aprendizagem (o que também
pressupõe ensinagem) desafiadora, onde, a partir das suas percepções e
narrativas, bem como da perspectiva da forma de organizá-las, o aluno/autor/
escritor e o professor aprendem solucionando problemas e desafiando a si
mesmos a compreender o mundo e suas relações.
Voltar-se sobre si, em movimentos de autoconhecimento é narrar o indizível,
o invisível aos outros que, imperceptível em um primeiro momento,
transborda o conhecimento construído pelo cotidiano nas relações
das próprias histórias de vida. Escrever em Diários de Bordo é também
(re)escrever-se, pensando-se, dizendo-se e (re)inventando-se no cotidiano
investigativo. (Fragmento do Diário de Bordo da autora, 2013).
Escrevendo, no Diário de Bordo, narrativas de si, os sujeitos tornam-se
protagonistas da sua formação, seja ela em que nível ou modalidade de ensino for.
Para finalizar, concluímos o trabalho desenvolvendo uma tese embasada
no conceito de território, utilizado por Milton Santos, que refletirá na criação
de duas fundamentações filosóficas e pedagógicas: a construção da cultura da
professoralidade e a produção da ambiência comunicativa. Mas isso é assunto
para outro texto.
REFERÊNCIA: D`ANDREA, Crystina Di Santo; ANTUNES, Helenise Sangoi. Fazendo a diferença: Histórias de professoras alfabetizadoras participantes do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Revista Brasileira de Alfabetização - ABAlf, v. 1, n. 3, p. 28-39, jan.-jul., 2016. Disponível em: file:///C:/Users/Gabriel%20Duarte/Downloads/112-205-1-SM.pdf. Acesso em: 21 jun. 2017.
Imagem disponível em: http://escolajoseedson.com.br/5o-encontro-do-pnaic/. Acesso em: 21 jun. 2017.
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