O QUE É A ESCRITA ESPELHADA?
A escrita espelhada pode ser caracterizada por dois tipos de ocorrências: as relações de letras e a mudança da posição da letra no interior da palavra. Nas rotações, as letras são rodadas sobre o próprio eixo; temos, por exemplo, as inversões das letras: p e q, b e d, u e n. A mudança de posição ocorre quando uma letra tem sua localização modificada dentro da palavra; por exemplo, a criança escreve anso para anos, ou coraçoa para coração. A escrita espelhada é uma ocorrência comum e frequente nos primeiros anos de escolarização e não pode ser considerada como indício de distúrbios e patologias.
Antes da contribuição de vários estudos linguísticos que se ocuparam dessas ocorrências, apresentando explicações que subvertem a lógica do erro, vigorou na Pedagogia uma perpesctiva organicista, pois o espelhamento de letras era entendido como um problema de natureza neuropsicomotora e de domínio espacial, cuja explicação estava relacionada ao conflito entre hemisférios direito e esquerdo do cérebro, falhas na percepção visual, na lateralidade, no esquema corporal ou em noções espaço-temporais.
No Brasil, o trabalho de Cacilda Cuba dos Santos, na década de 1970, seguiu essa tendência de análise, apontando erros típicos que podem ocorrer tanto na escrita quanto na leitura: confusão entre letras simétricas (p/q; n/u; d/b), inversão da ordem das letras dentro de uma sílaba (pal/pla). Disseminou-se a crença, tanto no meio clínico quanto no meio escolar, de que as inversões de letras poderiam ser indícios definidores da dislexia. Com base na perspectiva psicogenética piagetiana, pode-se explicar a escrita espelhada a partir de outros argumentos, que vão além dos aspectos visoespaciais, e romper com uma explicação de caráter patológico. A referência está calcada nos aspectos próprios do desenvolvimento cognitivo infantil, na construção da noção de realidade, mais especificamente, a noção de permanência e de invariância do objeto. Uma das principais descobertas da criança é a compreensão de que os objetos podem ter uma existência independente e que eles possuem propriedades invariáveis.
Assim, a partir do desenvolvimento dessa capacidade, uma criança pode reconhecer seus pais, bem como outras pessoas que lhe são familiares, independentemente da posição em que se encontrem. No caso da escrita, a situação é bem diferente, ou seja, a posição da letra determina sua identidade, e esse aspecto precisa ser observado; por exemplo, quando o círculo estiver voltado para baixo e para a esquerda, será a letra "d"; quando estiver voltado para baixo e para a direita, será a letra "b"; quando o círculo estiver voltado para a direita e para cima, é a letra "p"; e, por fim, se estiver voltado para a esquerda, será a letra "q", ou seja, a letra não é um objeto que pode modificar de posição e se manter como 'invariante'.
Conhecer as convenções da escrita e suas arbitrariedades é um primeiro passo para solucionar os problemas que envolvem a escrita espelhada. A criança precisa ser orientada sobre a necessidade de se levar em consideração a posição das letras, tomando como referência o espaço gráfico, isto é, as margens do papel, a direção (da esquerda para a direita) e o sentido (de cima para baixo) da escrita. É importante mostrar para a criança que, além de sua permanência como traço gráfico e sua convencionalidade, as letras também podem até mudar de som em razão da posição de passam a ocupar; por exemplo, a letra R no início da palavra, como ROMA (som forte), e a letra R entre duas vogais, como BARATA (som fraco).
A criança também precisa compreender que, se é invertido o PAL pelo PLA, ocorre mudança sonora na leitura da palavra. Estudos recentes mostram que quanto mais a sílaba se distancia do padrão CV (consoante vogal), mais chances tem o aprendiz de trocar a ordem das letras - mas essas ocorrências estão num padrão de normalidade comum na fase inicial da escrita e tendem a desaparecer no tempo de consolidação das aprendizagens.
REFERÊNCIA:
RESENDE, Valéria Barbosa de. Escrita espelhada. In: FRADE, Isabel Cristina Alves da Silva; VAL, Maria da Graça Costa; BREGUNCI, Maria das Graças de Castro (orgs.). Glossário Ceale: termos de alfabetização, leitura e escrita para educadores. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2014.
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